Page 74 - Telebrasil - Maio/Junho 1982
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primitivo, um simbólico mais avançado, dariam                                                                            ameba, depois com um lagarto e em seguida com



                 um parâmetro para avaliar o nível de evolução                                                                            um macaquinho. É uma lei mais ou menos reco­                                                                           h


                 dos grupos sociais.  Vamos tentar mostrar que                                                                            nhecida, que poderíamos extrapolar,  dizendo


                 existe um eixo de evolução simbólica bastante ní­                                                                        que o próprio desenvolvimento cultural  repete


                  tido.                                                                                                                   isso.  A criança  vai aprender primeiro uma  lin­


                                                                                                                                          guagem concreta (vai dar ponta-pé),  depois vai


                 Tomemos para análise as linguagens. A lingua­                                                                            tentar a linguagem metonímica (usar parte do to­


                 gem mais elementar é aquela que usa os próprios                                                                          do), vai ainda tentar expressar-se de uma forma


                  objetos como símbolos deles mesmos. Por exem­                                                                           analógica,  para  finalmente  expressar-se com


                  plo, se eu pegasse um copo de água e perguntas­                                                                         uma linguagem  absolutamente convencional.


                  se "Você quer?,  estendendo o copo d'água es­                                                                           Um exemplo clássico:  quando uma criança co­


                  taria funcionando como se fosse uma  palavra,                                                                           meça a chorar porque quer alguma coisa, ela está



                  ele estaria no lugar dele mesmo, ele é uma pala­                                                                        falando uma  linguagem  analógica — ela grita


                  vra e todo mundo compreenderia.  No entanto,                                                                            tanto mais quanto mais ela quer aquela coisa. Se


                  as limitações dessa linguagem são mais que evi­                                                                         o pai diz:  "Fala direito!", a criança é obrigada a


                  dentes.                                                                                                                 expressar-se digitalmente, ou seja, usar a lingua­                                                                         Flagrante da mesa de debates


                                                                                                                                          gem convencional, uma coisa difícil para ela que


                  O nível seguinte procura tomar o símbolo mais                                                                           estava convicta de estar expressando adequada­                                                                            em termos de linguagem,  vale dizer, de um sis­


                  operativo através do uso de uma parte do objeto                                                                         mente, incluindo o próprio corpo, numa lingua­                                                                            tema lingüístico.  No sonho manifesta-se o "eu"


                  como representativo  do próprio.  Assim,  por                                                                           gem muito mais forte do que a emissão de uma                                                                              da  linguagem  analógica  que,  contido durante a


                  exemplo, a visão da fumaça nos remete a fogo, o                                                                         frase:  "Quero  uma banana".  Porém a  criança  é                                                                         vigília, à noite inverte o processo e faz o conven­


                  aroma de um perfume nos remete à pessoa que o                                                                           obrigada a aprender a linguagem convencional,                                                                             cional falar por ele.  Por isso o sonho nos parece


                  usa ou o cheiro de uma comida ao ser preparada                                                                          o que, de certa forma, é uma violência contra ela.                                                                        um tanto absurdo.  O absurdo se dá pela junção


                  nos remete à própria comida.  Esta linguagem é                                                                          A criança  tem  uma  linguagem  (analógica)  e é                                                                          de pedaços convencionais governados por uma


                  chamada de metonímica e ainda é bastante limi­                                                                          obrigada a  aceitar outra  (convencional).  Como                                                                          sintaxe analógica.  O sonho é o nosso carnaval,


                  tada para operar numa vida social complexa.                                                                            cada linguagem  tem  o  seu  "e u ",  quando  se                                                                           nele quem  comanda  é o  "eu"  analógico,  tanto


                                                                                                                                         aprende uma linguagem nova o "eu" da lingua­                                                                              quanto nosso carnaval é sonho.


                  O passo seguinte foi tentar formar símbolos fa­                                                                         gem  anterior fica reprimido,  quer falar e não


                   zendo figuras que  tivessem  semelhança  com                                                                           pode.                                                                                                                    Da mesma maneira, procede o artista. O poeta é


                   aquilo que queríamos significar.  Assim  temos,                                                                                                                                                                                                 exatamente quem  consegue  afastar o controle


                   por exemplo, o desenho de uma casa como sím­                                                                                                                                                                                                    convencional para deixar falar o analógico e criar


                   bolo do objeto-casa ou o gesto de acenar para um                                                                                                                                                                                                a  poesia.  Nós  fazemos  isso intermitentemente,


                   veículo como figurativo do pedido de parada. A                                                                                                                                                                                                  para dar uma chance a esse "eu" analógico de se


                  construção figurativa de símbolos toma mais fá­                                                                                     A   p a l a v r a   b r a s i l e i r a   e s t á                                                            expressar.  O artista libera o "eu" analógico con-


                  cil estabelecer uma  linguagem.  Esta é chamada                                                                                                                                                                                                  troladamente,  retornando,  quando deseja, ao


                  linguagem analógica e é um tipo de comunicação                                                                                       s e m p r e   p r e s e n t e > p o i s                                                                     predomínio do "eu" digital.  O que se chama de


                  de longo uso.                                                                                                                    a c h a m o s   q u e   t e m o s   q u e                                                                       loucura é justamente a perda desse controle. To­



                                                                                                                                                c r i a r   u m a   c u l t u r a   g e r e n c i a l                                                              dos os sintomas de "loucura" são, hoje, interpre­

                  No nível  mais avançado de construção de sím­                                                                                                                                                                                                    tados como sendo o analógico predominando so­


                  bolos,  simplesmente  fazemos  um  rabisco ou                                                                             q u e   n a s ç a   e   m a n t e n h a   r a í z e s                                                                  bre o digital.  O discurso que,  basicamente, tem


                  emitimos um  som que convencionamos corres­                                                                                              n a   c u l t u r a   b r a s i l e i r a .                                                             uma sintaxe analógica é comumente identificado


                  pondera determinado objeto. Tal forma de cons­                                                                                                                                                                                                   como  "meio  poético,  meio doido,  meio sonha­


                  trução libera a comunicação do uso do objeto real                                                                                                                                                                                                dor".


                  e permite a completa facilidade para a formação


                 da  linguagem.  Isso indica o homem  saindo do
                                                                                                                                                                                                                                                                   Ainda analisando a evolução no mundo simbóli­
                  reino da natureza, a animalidade, para o reinoda
                                                                                                                                         Atualmente a  interpretação dos conceitos  freu­                                                                          co, tomemos para considerações essa progressão
                 cultura,  na  medida  em  que ele consegue  fazer
                                                                                                                                         dianos sobre a  dinâmica  do inconsciente é  feita                                                                        nos grupos sociais.
                 um sistema simbólico cada vez mais autônomo


                 em  relação à  realidade concreta.  Este nível de


                 construção simbólica  é chamado convencional



                 (ou digital) e é o que possibilita a nossa vida so­                                                                                                                                           Tipos de Dominação e Linguagem


                 cial complexa.

                                                                                                                                                           Dominação                                                    Dominação                                                  Dominação                                                  Dominação
                                                                                                                                                               p/força                                                  tradicional                                                carismática                                              racion./burocr.

                 Em síntese,  observamos que,  do "concreto" ao


                 convencional, existe um processo de autonomi­


                 zação progressiva do mundo simbólico em rela­


                 ção ao mundo concreto. Esta progressão simbóli­


                ca ocorre tanto  no indivíduo como nos grupos


                sociais.




                                                                                                                                                                                                                               1                                                            1
                                                                                                                                                                                                                               1                                                            1
                                                  O Eixo Simbólico:                                                                                                                                                            1                                                            1


                                         no Indivíduo e no Grupo                                                                                                                                                               1                                                            1

                                                                                                                                                                                                                               1                                                            1

                                                                                                                                                                                                                               1                                                            1
                Tomemos para algumas considerações essa pro­
                                                                                                                                                                                                                               1                                                            1
                gressão simbólica no indivíduo.  Como nos pro­


                põe a lei de Heskel,  todo indivíduo, em seu de­                                                                                           Linguagem                                                  Linguagem                                                    Linguagem                                                   Linguagem

                                                                                                                                                             concreta                                                metonímica                                                      analógica                                               convencional
                senvolvimento biológico, faz uma recapitulação


                dos pontos importantes da evolução de sua es­                                                                          A cada tipo de dominação política corresponde uma certa linguagem; a harmonia social depende destas


                pécie.  O embrião parece inicialmente com  uma                                                                          duas estruturas serem compatíveis.
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