Page 22 - Telebrasil - Setembro/Outubro 1966
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em  tempo  algum,  uma  inflação  de  100%  (cem   velmente  uma  mania  tradicional  e  histórica  de
       por  cento)-  ao  ano,  como  a  que  tínhamos  pôde   privatizar  os  lucros,  sempre  que  possível  e  so­
        ser  quebrada  com  aumento  de  produção  que,   cializar  os  prejuízos,  sempre  que  necessário.
       na  melhor  das  hipóteses,  pode  atingir  6  (seis)
       ou  7  (sete)  por  cento  ao  ano.  Além  disso,   Procurei,  portanto,  ser  objetivo,  combinan­
       infelizmente  o  ato  de  produção  não  é  uma  so­  do  de  um  lado  a  mitologia  da  emprêsa  pública
       lução  instantânea,  antes  de  se  aumentar  a  pro­  e  de  outro  a  mitologia  da  emprêsa  privada,
       dução  ou  para  se  aumentar a  produção  fazem-se   mas  não  quero  embarcar  nessa  controvérsia,  que
       investimentos  e  pagamentos  de  rendas  que  acres­  considero  superada  e  ociosa  entre  o  papel  da
       centa  ao  poder  de  consumo  e  à  demanda  exis­  iniciativa  puolica  e  da  iniciativa  privada.  Não
       tente,  antes  mesmo  que  a  produção  chegue  ao   o  quero  Jazer  apesar  de  que  maior  parte  das
       mercado.  Trata-se,  portanto,  de  um  método   querelas  do  mundo,  das  grandes  guerras  e  das
       de  combate  à  inflação,  mediante  uma  tentati­  grandes  disputas  se  situam,  simplesmente,  ou
       va  de  enchimento  do  "'tonel  das  Denaides"   se  classificam  em  três  categorias:  as  disputas
       Não  cufra  solução  qualquer  que  seja  a  sim­  territoriais,  as  disputas  amorosas  e  as  disputas
       patia  enorme  da  mitologia  privatista  se  não   semânticas,  sendo  que  as  disputas  semânticas,
       se  combinar  o  esforço  de  incentivo  à  produção   são  entre  tôdas,  as  que  às  vêzes  atingem  maior
       com  as  severas  compressões  do  excedente  da   grau  de  ferocidade  ou  pelo  menos  engajam
       procura  monetária  e  de  bens  e  serviços.  Tudo   maiormente  o  esforço  coletivo.  Há  guerras  eni
       o  mais  é  iluüo                      tôrno  de  conceitos  e  em  fôrno  de  preconceitos.
                                              Há  guerras  em  tôrno  de  territórios  e  fronteiras.
           Um  segundo  aspecto  da  mitologia  privativa   Raramente  há  guerras  em  tôrno  de  disputas
       é  aquela  que  eu  chamarei  de  " direito  divino   amorosas.  Há  contendas  particulares.  Infeliz-
       da  duplicata".  Há  quem  postule  a  ver  um  di­  mente  a  história  só  registra  uma  grande  guerra
       reito  sagrado  ao  desconto  por  ter  havido  já   de  motivação  feminina,  a  guerra  de  Tróia.
       um  ato  de  produção  e  um  afo  de  venda.  Poucos   É  artificial  o  conflito  entre  o  papel  da
       se  dão  ao  trabalho  de  verificar  se  o  ato  de   emprêsa  pública  e  o  da  emprêsa  privada  num
       produção  e  o  ato  de  venda  não  se  destinaram   país  em  desenvolvimento,  quanto  mais  não,
       à  formação  de  estoques  especulativos.  fósse  pelo  simples  fato  de  que  há  uma  tal
                                              abundância  de  tarefas,  há  um  tal  número  de
          Poucos  se  preocupam  em  verificar  se  o
       valor  da  duplicata  não  inclui  um  simples  re­  áreas  vazias  que  a  emprêsa  pública  e  a  emprê­
       gistro  do  aumento  de  preço  dos  fatores  de  pro­  sa  privada  podem  desempenhar  um  papel  com­
       dução  ao  qual  se  agrega  uma  margem  de  lucros,   plementar  ao  invés  de  competitivo.  O  atual
       sem  terem  percorrido  nenhum  esforço  para  me­  Govêrno,  com  a  deliciosa  falta  de  lógica  que
       lhoria  de  produtividade,  ou  contenção  de  preço.  constitui  o  nosso  ieito  sociológico,  tem  sido,  ao
                                              mesmo  fempo,  acusado  de  fanatismo  interven­
          Se  interpretarmos,  com  a  ferocidade  ideo­  cionista  e  fanatismo  liberal.  Onde  está  a  ver­
       lógica  com  que  é  exposto  enfre  nós  o  direita   dade  ?  Haverá  excessivo  intervencionismo  ou
       divino  da  duplicata,  levaria  certamente  a  per­  haverá  excessivo  liberalismo  ?  O  próprio  fato
       petuação  da  inflação.  Ninguém  nega  que  deve   de  se  tomarem  duas  atitudes  diametralmente
       haver  crédito  legítimo  para  produção.  A  pro-   opostas  em  face  do  comportamento  do  Govêrno,
       riurSn  r>o<to  rrpsrer  6,  7  ou  10%  ao  ano,  em   parece  indicar  que  êsse  comportamento  está  na
       hipóteses  ideais,  e  a  expansão  do  crédito  nessa   média  dourada  ou  na  virtude  que,  como  diz
       proporção,  certamente  não  somente  não  é  in­  o  nr^vérbio  latino  está  no  meio.  Acusado,  de
       flacionária  como  é  um  requisito  básico  de  de-   excessivo  intervencionismo,  tem  o  Govêrno  tra-
                                                 •”r<  si-snrip  número  de  contribuições,  sejam
       jSenVolvimento  econômico  de  crédito.  Entrle-
       tanto  na  razão  de  50,  60  ou  70%  ao  ano   genéricas,  sejam  específicas,  ao  fortalecimento
       não  representam  a  consagração  do  direito  di­  na  emprêsa  privada.
       vino  da  duplicata,  constituem  a  consagração  de   Alinharei  primeiro!  as  contribuições  gené­
       um  abuso  inflacionário.              ricas.  Uma  delas  é  a  diminuição  de  incertezas
                                              e  de  riscos  do  ato  econômico.  Todo  o  e=‘ôrço
          Há  um  terceiro  aspecto  da  nossa  mitologia   de  planejamento,  de  indicação  de  objetivos,  de
       privatista  que  se  traduz  no  constante  esforço  de   formação  de  uma  moldura  de  um  quadro  para
       privatização  do  lucro  e  de  socialização  do  pre­  operação  da  iniciativa  privada  significa  um  es­
       juízo.  Tôda  a  vez  que  ocorre  um  prejuízo  é   forço  para  diminuição  da  incerteza  e  do  risco
       insopitável  o  desejo  de  distribuí-lo  socialmenfe,   empresarial.  Essa  incerteza  e  êsse  risco  haviam
       através  da  busca  de  subsídios  de  preços  subven­  atingido  o  seu  ponto  máximo  quando  estáva­
       cionados  e  de  financiamento  generosos  de  pri­  mos  laborioSamenfe  trabalhando  sob  a  batuta
       vilégios  de  mercado  etc.  Nunca  existe,  entre­  do  engenheiro  do  caos.
       tanto,  um  contra-quadro,  uma  propensão  ética
       de  socialização  de  lucro:  êsce  não  deve  ser  Uma  segunda  contribuição  foi  eliminar  a
       objeto  de  privatização  de  todo  o  nosso  vasto   constante  ameaça  de  desapropriação  e  confisco.
       apetite  de  sonegar  imp  sfos  e  revela,  indiscuti­  Essas  palavras  não  foram  ouvidas  raramente  e-
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