Page 47 - Telebrasil - Janeiro/Fevereiro 1987

herética por natureza — e encontra-se dentro do

crânio do indivíduo que a concebeu.

Kepler, no seu divã mental, sofrendo o hor.-

ror e o trauma de ter que recuar das concepções

consolidadas da astronomia de Copérnico — e

de suas próprias edificações pitagorianas, mís­

ticas e religiosas — disse em desespero, rom­

pendo sua burocracia intelectual — “quem sou

eu, Johanes Kepler, para destruir a divina sime­

tria das órbitas circulares?”

0 rompimento de estruturas cognitivas, o re­

montá-las em nova síntese, não pode, de um

modo geral, ser efetuado à plena luz da mente

consciente e racional. O progresso, o recu ller

pour m ieux sauter, a desordem, o trauma — é

possível quando revertemos o processo para for­

mas mais fluidas, menos comprometidas e me­ Teatro Am azonas, ciclo da borracha, e agora Zona Franca... um exem plo de pedom orfose.

nos especializadas, mais juvenis, larvares, que

operam nas zonas crepusculares da consciên­

cia. Eureka é o termo grego de euforia de uma pação e convívio intelectual universal. Encolhi­ pacto entre a norma e a rebeldia. Pois uma não

bem-sucedida fuga, é o paradoxo resolvido. O dos no casulo, entramos em fase rnediocrisante, existe sem a outra.

que queremos? Cânones básicos e estratégias trêmulos, inseguros, com a perspectiva dos “A ordem, a burocracia, serve somente para

flexíveis — ou o beco sem saída?. É bom lem­ abandonados no frio sem agasalho. Estamos fi­ calibrar seu conflito eterno, estrutural, com a

brar que “olhar para o retrovisor é verificar que a cando atónitos pelo enfraquecimento da com­ desordem coatoras inseparáveis da vida. Só

rotina, a ordem pura, diminui as luzes da cons­ petência, pela desatualizaçâo desastrosa de um calibre - pois a ordem, quando se a dogna-

ciência.” nosso softw are. Caminha-se para um beco sem tiza, pondo-se ridiculamente séria e hipocrita­

Pois o hábito é inimigo da liberdade, da cria­ saída de danosas consequências sociais. Para­ mente solene, faz dos cristãos cruzados”. Ins­

ção e do progresso. doxo é que ninguém reluta na atualização do taura-se a patifaria. A consciência é algo que

so ftw are inorgânico, empreendendo e aplau­ decresce na razão direta do crescimento da for­
2.° ato (final) dindo qualquer investimento, qualquer inicia­ mação dos hábitos. Por isto a burocracia mal do­

Considerações Pedomórficas tiva. Por que não investir nos computadores or­ sada é antes de tudo um ato de perversidade,

no Campo das TCs gânicos - quem sabe mais fundamentais? Ao tira as luzes de nossa consciência, retirando-

mesmo tempo, vemos também a perda das as­ nos a responsabilidade da liberdade e transfor­

Onde estão as potencialidades, as carac­ pirações profissionais e materiais. mando-nos em autômatos e cegos idiotas.

terísticas juvenis do nosso setor — que de certa Recursos financeiros suficientes — obtidos

forma ficaram inibidas no processo? Ocorreu al­ através de tarifas reais, autofinanciamento e Sorrateiramente

gum desencammhamento? Será que estamos Fundo Nacional de Telecomunicações. Hoje to­

no ponto de recuiller pour m ieux sauter? Estare­ das estas três características estão inibidas. O grave é que o processo da burocracia, da

mos no momento da anulação para reexecução? Restaurá-las é rejuvenescimento. Deixar como ordem desmedida, instaura-se sorrateiramente,

Estaremos recebendo sinais da proximidade de está é declínio — inexorável. Beco sem saída como todos os vícios, sem nos apercebermos do

um ponto crítico para retorno? mesmo. fenômeno — pois vamos ficando progressiva­

No Quadro 1 tentamos fazer um resumo — O rganização jovem, ágil, flexível. Desburo­ mente drogados e perdendo a sanidade e a luci­

que certamente peca por omissão, ou mesmo cratizada, descentralizada. Alegre e agradável. dez. Quantas coisas só não são feitas por causa

por imprecisão. Mas isto não é relevante, já que Lúcida — e assim mais humana. Fé, confiança do delírio burocrático que injeta o vírus do

estamos tratando de aspectos muito gerais. e aliança em todos os diedros que o excesso de medo, imperceptivelmente, retirando-nos a gra­

A título puramente exemplificativo, pode­ ordem atrofiou. Sistema que soube conviver ça do uso pleno das liberdades— para, com au­

mos dizer que no embrião do setor existiam al­ com a inexorável realidade da simultaneidade toridade, exercermos a responsabilidade do

gumas potencialidades características, que se da ordem e da desordem nas doses certas. Nem risco, que faz o ser evoluir. O paroxismo buro­

desencaminharam no decorrer do tempo — que a ordem estagnante nem a desordem caótica. crático humilha. É servidão humana ao nada.

restaram inibidas na fase adulta deste nosso se­ Soubemos, com o sucesso inquestionável ob­ Dificuldades e conflitos existem, fazem parte da

tor. Vejamos algumas — e vamos comenta-lás, a tido, aplaudido por toda a nação, respeitar o natureza; é trivial o lamento e a crítica, pois

seguir. muito se pode fazer com espírito lúcido e sem

M issão— Tínhamos uma missão clara, defi­ medo da espada burocrática — um fantasma a

nida e motivante: integração nacional e atendi­ que nos habituamos por não pensarmos com

mento do serviço básico. Hoje a missão não mais liberdade.

parece tão clara assim. Vivemos constrangidos, Não estão na Sest, ou na Seplan, ou em

pois hoje, no impacto das transformações so­ qualquer outra entidade de nossa ilusão, as cau­

ciais, políticas e tecnológicas, perdemos um sas de nossa possível inoperância. Estão na in­

pouco os rumos — que precisam ser acertados. competência de saber e ter a coragem de ver a

R ecursos hum anos de excepcional quali­ realidade tal como ela é. “Quem quer faz, quem

dade, motivados intelectual e existencial- não quer consulta a Telebrás" — é uma frase ve­

mente, formados por universidades nacionais e lhaca que ouço pelos corredores do setor, pois é,

estrangeiras excelentes, de elevado prestígio. no íntimo, uma forma irônica de esconder o pró­

As forças armadas e o MEC tinham nesta ativi­ prio medo de fazer, de assumir os riscos ineren­

dade grandes projetos, que se iniciaram pratica- tes a qualquer ação. Pois quem consulta, não

mente depois da 2.a Grande Guerra. E um desta­

cado marco foi o ITA. Recursos humanos que se assumindo o seu papel, quer de fato ludibriar,

atualizavam com o que de melhor havia no transferindo para o outro a sua fraqueza em não
decidir, o seu pavor.
mundo. Reciclagem permanente das mentes.

Hoje pesarosos, presenciamos não só o fenô­ Que verdades estão muitas vezes escondi­

meno grave da perda da qualidade do ensino na­ das, camufladas, no jogo de palavras, em belas

cional — perigo histórico, mas também já se frases estruturadas, em vocabulários estereoti­

percebe uma nítida tendência de atrofiamento pados— alias, um processo de camuflar verda­

mental setorial, conseqüência do isolamento a Uchòa: “E hora de pensar em soluções não orto­ des não declaradas... “ Este é um jogo subal­

que estamos submetidos pela perda de partici­ doxas para o futuro do s e to r." terno dos improdutivos, em geral minoria, espa­

lhados em todas as classes e sempre muito