Page 54 - Telebrasil - Julho/Agosto 1981
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Vê-se, então, que começando çom vírus e bactérias, há cerca de
ESPÉCIE TEMPO VOLUME CRÂNIO
10 bilhões deanos, com um conteúdo de informação genética da (milhões anos) (cm3) •
ordem de dezenas de milhares a milhão de bits, chega-se aos
mamíferos e aos seres humanos, que datam de dezenas «de mi Australopitecus 4-6 400-600 Bípede imperfeito
Oojetos pedras
lhões de anos, porém com um patrimônio de informação gené
tica muito maior (da ordem de bilhões de bits). Embora calcado Homo Habilis 3 500-800 Bípede perfeito
em hipóteses não livres de incertezas, a própria regularidade da Ferramentas pedras
curva nos indica que estamos realmente encontrando algo de
Homo Erectus 1.5 750-1250 Descoberta fogo
significativo na correlação entre informação e evolução bioló
gica. Homo Sapiens 0.2 1100-2200 Habitat global
Metais, Ciência
Instrumentos eletrônicos
Mas a curva nos diz mais, e esse mais é surpreendente.
A curva vai se saturando, isto é, tendendo a um limite na quanti TABELA A
dade de informação genética que parece poder ser estocada.
Isto é, com a passagem do tempo e com a evolução, a natureza
foi conseguindo estocar mais e mais informação na molécula de 2 / FASE — A IN FO RM A ÇÃ O N EURON AL
DNA, e assim conseguiu organismos mais e mais complexos na
escala evolutiva. Porém, algum tipo de barreira foi sendo encon Ponhamos agora o biofísico em cena.
trado, que foi limitando a quantidade de bits em cerca de alguns O biofísico novamente trará à baila modelos microscópicos
bilhões (caso do homem). moleculares. Afinal, dirá, o sistema nervoso tem como elemento
básico o neurônio (de vários tipos e estruturas). O neurônio é o
Qual a natureza dessa barreira? O biofísico moderno tende a ex elemento capaz de gerar sinais elétricos, de receber sinais elétri
plicar tudo em termos moleculares. Talvez um biólogo tradicio cos de outros neurônios, de armazenar informações que levem à
nal procurasse explicar o fenômeno em termos de adaptação fi sua própria excitação (ou de-excitação). A membrana nervosa,
siológica, ou até ecológica. Mas um biofísico molecular tende a as sinapses nervosas, os dendritos de neurônios, são todos ele
dar explicações, especulando que, talvez, o número de bits (e mentos que podem e, provavelmente, deverão ser entendidos
portanto de bases no DNA) aumentaria demais o tamanho da em bases moleculares.
molécula. Isso teria repercussões em termos de tempos de difu
são ou de própria fabricação na célula. Ou talvez houvesse al Uma das primeiras tentativas para modelar o funcionamento de
gum problema com os erros que se iriam acumulando, quando sinais nervosos elétricos foi feita por Huxley e Hodgkin. Embora
se tentasse armazenar informação demais nessa molécula. Em fenomenológico, este modelo pode ser posto em forma quanti
suma, o biofísico tenderia a dar explicações fundamentais em tativa com as respectivas equações, cujas soluções levam a im
termos da estrutura da matéria morta (átomos e moléculas). O pulsos elétricos com o tempo semelhante aos que se observam
fato, entretanto, éque há uma saturação. A riqueza de informa experimentalmente. Uma importante área da biofísica moderna
ção genética não é passível de ser aumentada com a evolução do está em encontrar modelos microscópicos que correspondam
tempo, pelo menos no presente estágio de sua operação. Este aos parâmetros fenomenológicos que entram nas equações de
estágio está descrito pelo comportamento da curva da Figura 1. Hodgkin-Huxley.
Esta é realmente uma conclusão de extrema importância, e que
leva a outras queçtões mais relevantes ainda. O biofísico dirá, então, que há também outros compartimentos
onde se estoca informação nos seres vivos: os neurônios. Então,
de uma maneira simplista, ou pelo menos simplificadora, po
Por exemplo: significaria isto que a natureza, e com ela nós,
seres hum anos, estaríam os fadados a uma estagnação demos dizer que há no mínimo dois tipos de informação bio
lógica: informação genética e informação neuronal. Que dife
evolutiva? Ou que teríamos esgotado as possibilidades da pró
renças podem haver entre ambas? A informação genética é utili
pria matéria da qual somos constituídos, em termos de
evolução? Ou que a distância informacional (genética) entre nós zada pelos seres vivos para seu plano básico de construção e, em
certa maneira, para seu comportamento como espécie.
e os répteis, por exemplo, é relativamente pequena, já que são
da mesma ordem de grandeza e que isto resulta em uma peque
A informação ou carga genética está gravada (imprinted, como
na distância evolutiva em termos comportamentais, por
exemplo? São realmente perguntas tão fascinantes, quão pertur diria K. Lorenz) na molécula informacional. Seu conteúdo é ge
nético e global para a espécie, embora possa variar de indivíduo
badoras, para nosso antropocentrismo cultural, sobretudo.
para indivíduo, com uma certa plasticidade genética, que per
mite a evolução seletiva no sentido darwiniano.
Se nos valermos, entretanto, da biologia clássica, em particular
das descrições puramente anatômicas e fisiológicas, de que se
Este aspecto complementar da inflexibilidade da carga genética»
valeram os estudiosos da evolução, aprenderemos muito mais.
e de sua plasticidade através de mutações (mudanças) aleatórias
Isto nos mostra como a biofísica molecular, por si só, não é sufi
é bastante discutido por J. Monod no seu belo e controvertido
ciente, nem sequer autônoma. A interdependência entre o co
livro sobre o acaso e a necessidade em biologia.
nhecimento biológico clássico — por exemplo, antropológico —
e os métodos modernos é importantíssima. Devemos confessar aqui que a biofísica molecular dos neurô
nios, da sinapse nervosa, da membrana nervosa, está longe de
A evolução antropológica em particular nos ensina que algo ser entendida. Como se pode então responder à pergunta: como
mais existe, além de informação genética. Também o mesmo medir a quantidade de informação neuronal à semelhança do
nos é ensinado pela neurologia e, em particular, pelos estudos que se faz com a informação genética? Em primeiro lugar, quan
da evolução do sistema nervoso e, especificamente, do cérebro. tos bits cabem em um neurônio? Ora, há muitos tipos de
Dos répteis aos mamíferos em geral, e aos mamíferos superio neurônios: neurônios sensoriais e motores, e estes ambos com
res, especialmente, a evolução do cérebro foi marcante e no muita diversidade. O que passamos a descrever é, pois, muito
tável. especulativo. Não deixa, entretanto, de ser altamente instru-