Page 55 - Telebrasil - Julho/Agosto 1981

tivo, pois sempre tomaremos as hipóteses menos favoráveis, de tempo da vida de um indivíduo. O assunto é discutido em

isto é, aquelas que limitarão por baixo a quantidade de informa­ maiores detalhes no magnífico livro de Cari Sagan "Os Dragões

ção que pode ser colocada em um neurônio. de Eden e a História da Evolução da Inteligência Humana".

Com algumas hipóteses é possível, embora de modo discutível,
Sabe-se hoje que as sinapses (estruturas que conectam neurô­

calcular o número médio de bits por neurônio. Conhecendo-se a
nios entre si) possuem complexos mecanismos bioquímicos,

que podem ou não envolver passagem de moléculas de um lado massa do sistema nervoso dos vários organismos e o seu nú­

mero de neurônios, é possível calcular o número total de bits,
para outro da sinapse, que pode ou não ser aberta ou fechada,

ou mesmo bloqueada temporariamente. As sinapses nervosas por exemplo, no cérebro. Evidentemente, um bom número de

funcionam para o biofísico como um excelente modelo seme­ neurônios é cativo e não programável. São cativos da carga ge­

lhante ou análogo a circuitos eletrônicos de computadores, em nética característica da espécie.

que se pode controlar o arm azenam ento e o fluxo de

informação: como chaves eletrônicas, talvez como modula- Analisando os diferentes tipos de informação que podem ser es­

dores, talvez mesmo como estocadores de informação. tocados, chegamos pois a poder calcular, pelo menos aproxima­

damente, a quantidade de informação contida nos neurônios.

Por outro lado, recentemente descobriu-se que estas sinapses

não são apenas chaves que se abrem e fecham, mas pode haver Admitimos que cada sinapse de um neurônio funciona como

correntes ou tensões elétricas que lhes dão um certo tônus, cuja uma chave eletrônica num computador, capaz de duas posições

variação ou modulação é mesmo contínua e que pode corres­ (sim e não, aberta e fechada, isto é, um bit por sinapse).

ponder a importantes mecanismos de transmissão e controle de

informação. Não podemos entrar aqui no complexo tópico de Calculando-se, em média, no ser humano, por exemplo, 1.000

teoria da memória em termos moleculares. Diremos apenas que sinapses por neurônio (oscila de 1.000 a 10.000), como temos,

a evidência é grande em favor dos mecanismos físicos e quími­ em média, cerca de dez bilhões de neurônios na córtex (o cerebe-

cos para armazenamento de informação no cérebro dos animais lo tem outros tantos 10 bilhões, mas suporemos que o cere-

superiores, envolvendo, por exemplo, moléculas como o RN A belo náo tem funções cognitivas ou de memórias programáveis),

(uma molécula, ou melnor, macromolécula semelhante ao para esta discussão podemos contar, no mínimo, da ordem de

DNA). 10 trilhões de bits programáveis no homem. Para se ter uma

idéia do que isso significa, vamos fazer algumas comparações

com um computador digital moderno (1979). Como o volume
Procuramos estudar com a curva 1 como evoluiu o conteúdo de

informação genética nos seres vivos. Como terá evoluído o con­ do cérebro humano é da ordem de mil centímetros cúbicos, a

teúdo de informação não genética, isto é, neuronal? densidade de bits é muito alta (10 trilhões de bits em 1.000 cen­
tímetros cúbicos resultam em 10 bilhões de bits por centímetro

cúbico). Esta é uma densidade de informação cerca de dez mil

Pois, se há dois tipos de compartimentos para estocar e proces­ vezes maior que a de um computador moderno.

sar a informação, vamos compará-los.

Contudo, a velocidade de processamento de informação, isto é,

A tarefa não é fácil, pois há necessidade de que calculemos o nú­ a taxa de bits processados por unidade de tempo é relativamente

mero de bits nos neurônios. Mas há muitos tipos de neurônios. pequena no cérebro humano. O cérebro humano é capaz de pro­

Há neurônios que podem ter dezenas de milhares de sinapses. cessar da ordem de 5.000 bits por segundo. Um computador

Se encararmos apenas a evolução da massa do cérebro na espé­ moderno é capaz de processar bilhõés de vezes mais rapida­

cie homo, por exemplo, veremos que houve uma grande evolu­ mente do que nós.

ção. Isto é o creme e a nata de que se nutrem os antropologistas.

Entretanto, nosso cérebro tem sabidamente um desempenho

A Tabela A nos dá indicações desta evolução para várias espé­ melhor, em geral, do que qualquer computador atual. Isto re­

cies. Os resultados sócio-culturais são também indicados na ta­ vela uma organização dos circuitos neurônicos extremamente

bela. Aumentando a massa cerebral, aumenta o número de neu­ engenhosa.

rônios (embora, talvez, não em proporção direta ou linear) e as­

sim a quantidade total de informação. Como a densidade é grande, fica também revelado que o tama­

nho dos circuitos é muito menor do que os conseguidos com os

Embora se possa, com certeza, admitir que um bom número de microcircuitos da eletrônica atual. Isto nos indica a natureza mi­

neurônios é controlado pela informação genética, através de im- croscópica destes circuitos cerebrais.

printing, uma certa fração deles é posta à disposição do indiví­

duo para ser programada, ser utilizada para armazenar informa­ Outro exemplo, para que o leitor possa avaliar a complexidade

ção não genética, para estocar esta mesma informação, e, certa­ do cérebro humano, é o seguinte, devido a Cari Sagan: se tivés­

mente, para, interagindo com o meio, através do próprio indiví­ semos em nosso cérebro apenas um neurônio com uma sinapse

duo, recolher novas informações. Isto é, o neurônio pode ter in­ capaz de duas posições, teríamos apenas dois estados mentais,

formação não congelada, não gravada (imprinted), mas pode por assim dizer.

ser gravado ou usado ou apagado no que contém de informação

por CADA INDIVÍDUO DURANTE SUA VIDA. A estupidez desta simples alternativa comportamental é assus­

tadora. Porém, com dois neurônios, cada um com sua sinapse,

Esta diferenciação entre os dois tipos de informação (genética e a já teríamos a possibilidade de 4 estados: neurônio a com estado

que chamaremos não-programada) é realmente fundamental. sim ou não: neurônio b com estado sim ou não. Com 3 neurô­

Um neurônio pode ter sido gravado geneticamente ou pelo me­ nios, teríamos oito estados. Vê-se que, matematicamente, isso

nos estar à disposição do sistema genético característico da espé­ corresponde a 23 = 8; com 4 neurônios, teríamos 24 = 16 estados.

cie, ou pode haver neurônios, por assim dizer, educáveis, pro­ Como temos 10 bilhões de neurônios e, no mínimo, cerca de 10

gramáveis pelo próprio indivíduo, dentro das limitações de sua trilhões de sinapses, o nosso número de estados mentais seria:

carga genética, porém dentro da escala de tempo infinitamente

menor do que aquela ligada às modificações genéticas: a escala 2 elevado à potência de 10 trilhões = 2 10'3