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OS  IMPERATIVOS  DA  REVOLUÇÃO  DE  MARÇO









                                                                                                                                                                                        Professor Miguel  Reale









                                         1.  — A  pequenês da queda do govêr-                                                                                    nadas  se  distribuem  os  valores dos  sis­


                                   no  Goulart  dá-nos  a  exata  medida  de                                                                                     temas  particulares,  e  adquirem  digni­

                                  sua  estatura  moral.  Mas  se  foi  um                                                                                        dades  os  processos  de  ação.


                                  bem  inestimável  termos  tido  uma  “re­                                                                                            6.  —  Esta  Revolução  precisa  legiti-


                                  volução  incruenta”,  ela  nos  dita o  im­                                                                                    mar-se  no  plano  ideológico,  inclusive


                                  perativo  de  revelar  “a  posteriori”  as                                                                                     para  redimir—se  dos  êrros,  das  omis­


                                  razões  ideológicas  subjacentes,  que  te­                                                                                    sões e das injustiças que porventura  já


                                   riam  vindo  à  tona  espontaneamente                                                                                         tenha  praticado...


                                  no calor dos conflitos e  combates. Uma                                                                                              7.  — Se me perguntarem  qual  o sen­


                                  revolução  pode,  é  certo,  não  derramar                                                                                     tido  mais  decisivo  a  atribuir-se  a  esta


                                  sangue,  mas  não  pode  deixar  de  der­                                                                                      Revolução, direi que é o da “honestida­


                                  ramar  idéias.
                                                                                                                                                                 de”  ou  da  “seriedade”,  não  apenas  co­

                                        2.  — O primeiro cuidado  consiste em                                                                                    mo  valor  ético,  como  exigência  moral,


                                  situar-nos  perante  os  vencidos,  suas                                                                                       mas  também  como  pressuposto  de  or­


                                  idéias  e  atitudes,  reconhecendo  que                                                                                        dem  intelectual,  como  imperativo  de


                                  grande parte da opinião  pública se en­                                                                                        opção  no  plano  político  e  administra­


                                  tusiasmara  por  algumas  verdades  des­                                                                                       tivo.

                                  vinculadas  de  suas  razões  reais  para                                                                                            8.  — A  nossa  desgraça  não  tem  re­


                                  servirem  a  planos  subversivos  de  uma                                                                                      sultado  apenas  do  fato  de  termos  tido


                                 minoria  ousada.  Ora,  é  preciso  termos                                                                                       governantes  corruptos  —  por  se  apos­


                                 a  coragem  de  manter-nos  fiéis  a  tais                                                                                      sarem  de  bens  do  povo  e  cuidarem  do


                                 verdades,  ainda mesmo correndo  o  ris­                                                                                        erário  público  como  se  fósse  sua  pró­


                                 co  de  parecer  que  estamos  copiando                                                                                         pria  fazenda,  mas  também  por  não


                                 aqueles  que  antes  combatíamos.                                                                                O


                                 mesmo  princípio,  por  outro  lado,  ex­                                                                                       termos  tido  a  honestidade  de  confes­


                                 clui  possam  ser  aceitas,  sem  meticulo­                                                                                     sar as  nossas  naturais  incapacidades  e


                                 so reexame  e sem respeito à  ordem  es­                                                                                        limitações.  Vivemos  e  porfiamos  em
                                                                                                                                                                 viver  num  clima  artificial,  com  sacri­
                                 sencial  de  prioridade,  tôdas  as  refor­
                                                                                                                                                                 fício  dos  problemas  mais  urgentes  e
                                 mas  prometidas  só  para  não  parecer­                                                                                         primordiais,  pela  vaidade  de  ostenta­


                                 mos  “reacionários” .
                                                                                                                                                                  ção,  de  “mostração”  do  adiável,  que

                                        3.  —  Aquelas  verdades,  de  meio  que                                                                                 nos  permita  parecer  maiores  do  que

                                  eram,  passaram  a  ser  fins;  e  é  nisto                                                                                    somos.  Daí  as  construções  precárias  e


                                 que  está  a  fõrça  das  novas  verdades;                                                                                      precipitadas,  com  os  pés  de  barro  do


                                 é  nisto  que  consiste,  por melhor  dizer,                                                                                    supérfluo  ou  do  prematuro.


                                 o  sentido  da  verdade  nova.
                                                                                                                                                                       9.  —  O  povo  brasileiro  está  ansioso

                                       4.  —  Uma  Revolução,  que  surge  sem                                                                                   pela verdade  primária,  por aquela  ver­


                                 uma  idéia  diretora,  deve  constituí-la                                                                                       dade que se situa  na  base  de  seus  pri­


                                 através  de  um  trabalho  de  exegese,                                                                                        meiros problemas.  Temos  vivido,  como


                                que  desça  serenamente  até  aos  refo­                                                                                         já  escrevi  há  mais  de  trinta  anos,  a


                                 lhos  da  alma  popular.  Há  duas  espé­                                                                                       fazer  precipitadamente  e  aos  saltos  o


                                cies  de  revoluções:  uma  “atualiza  uma                                                                                      que outros povos souberam  realizar  se­


                                idéia”,  na  plenitude  de sua  consciência                                                                                      renamente  e  com  método.  Não  temos,


                                e  desenvolvimento;  uma  outra  atende                                                                                          continuamos  a  não  ter  confiança  na


                                a impulsos e a tendências antes de  ter-                                                                                        ação do tempo e, tanto  como  na  época


                                -se  cristalizado  em  conceitos.  A  Re­                                                                                        de  Saint-Hilaire,  nunca  amadurecem

                                volução  de  março  de  1964  pertence  a                                                                                       os frutos em nossas árvores porque pre­



                                esta  segunda  categoria:  contém  uma                                                                                          ferimos  comê-los  verdes.  Sofreguidão


                                idéia  diretora,  “in  nuce”,  em  germe,                                                                                       de  enriquecer,  de  acumular  rapida­


                                sem  cuja  determinação  conceituai  o                                                                                          mente  bens  materiais  ou  de  cultura,


                                fato  revolucionário  idealmente  não  se                                                                                       como  se  o ar  do  tempo nos  estivesse  a

                                legitimará.                                                                                                                     faltar.  E  o  resultado  é  que  o  tempo



                                      5.  —  Não  se  trata  somente  de  ela­                                                                                  sempre  se  escoa  inutilmente  para


                               borar  programas  administrativos,  pois                                                                                         quem  o  desgasta  e  dilapida  tudo  que­


                               o  que  se  impõe,  antes,  é  a  fixação  dos                                                                                   rendo  fazer num  átimo,  assim como  se


                               quadrantes  ideológicos  nos  quais  os                                                                                         mantém  ôco  para  quem  se  conserva


                               planos  de  govêmo  passem  a  ter  signi­                                                                                      alheio  aos  problemas  da  vida;  o  tem­


                               ficado  real.  Uma revolução é  uma “to­                                                                                        po  deve  ser  sorvido  com  o  superior


                               talidade  de  sentido”,  em  cujas  coorde-                                                                                     domínio  de  quem  sabe  que  a  sua  di­
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