Page 6 - Telebrasil - Janeiro/Fevereiro 1965
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OS IMPERATIVOS DA REVOLUÇÃO DE MARÇO
Professor Miguel Reale
1. — A pequenês da queda do govêr- nadas se distribuem os valores dos sis
no Goulart dá-nos a exata medida de temas particulares, e adquirem digni
sua estatura moral. Mas se foi um dades os processos de ação.
bem inestimável termos tido uma “re
volução incruenta”, ela nos dita o im 6. — Esta Revolução precisa legiti-
perativo de revelar “a posteriori” as mar-se no plano ideológico, inclusive
razões ideológicas subjacentes, que te para redimir—se dos êrros, das omis
riam vindo à tona espontaneamente sões e das injustiças que porventura já
no calor dos conflitos e combates. Uma tenha praticado...
revolução pode, é certo, não derramar
sangue, mas não pode deixar de der 7. — Se me perguntarem qual o sen
ramar idéias. tido mais decisivo a atribuir-se a esta
Revolução, direi que é o da “ honestida
2. — O primeiro cuidado consiste em de” ou da “seriedade”, não apenas co
situar-nos perante os vencidos, suas mo valor ético, como exigência moral,
idéias e atitudes, reconhecendo que mas também como pressuposto de or
grande parte da opinião pública se en dem intelectual, como imperativo de
tusiasmara por algumas verdades des opção no plano político e administra
vinculadas de suas razões reais para tivo.
servirem a planos subversivos de uma
minoria ousada. Ora, é preciso termos 8. — A nossa desgraça não tem re
a coragem de manter-nos fiéis a tais sultado apenas do fato de termos tido
verdades, ainda mesmo correndo o ris governantes corruptos — por se apos
co de parecer que estamos copiando sarem de bens do povo e cuidarem do
aqueles que antes combatíamos. O erário público como se fósse sua pró
mesmo princípio, por outro lado, ex pria fazenda, mas também por não
clui possam ser aceitas, sem meticulo termos tido a honestidade de confes
so reexame e sem respeito à ordem es sar as nossas naturais incapacidades e
sencial de prioridade, tôdas as refor limitações. Vivemos e porfiamos em
viver num clima artificial, com sacri
mas prometidas só para não parecer fício dos problemas mais urgentes e
mos “reacionários” . primordiais, pela vaidade de ostenta
ção, de “mostração” do adiável, que
3. — Aquelas verdades, de meio que nos permita parecer maiores do que
eram, passaram a ser fins; e é nisto somos. Daí as construções precárias e
que está a fõrça das novas verdades; precipitadas, com os pés de barro do
é nisto que consiste, por melhor dizer, supérfluo ou do prematuro.
o sentido da verdade nova.
9. — O povo brasileiro está ansioso
4. — Uma Revolução, que surge sem pela verdade primária, por aquela ver
uma idéia diretora, deve constituí-la dade que se situa na base de seus pri
através de um trabalho de exegese, meiros problemas. Temos vivido, como
que desça serenamente até aos refo já escrevi há mais de trinta anos, a
lhos da alma popular. Há duas espé fazer precipitadamente e aos saltos o
cies de revoluções: uma “atualiza uma que outros povos souberam realizar se
idéia”, na plenitude de sua consciência renamente e com método. Não temos,
e desenvolvimento; uma outra atende continuamos a não ter confiança na
a impulsos e a tendências antes de ter- ação do tempo e, tanto como na época
-se cristalizado em conceitos. A Re de Saint-Hilaire, nunca amadurecem
volução de março de 1964 pertence a os frutos em nossas árvores porque pre
ferimos comê-los verdes. Sofreguidão
esta segunda categoria: contém uma de enriquecer, de acumular rapida
idéia diretora, “in nuce”, em germe, mente bens materiais ou de cultura,
sem cuja determinação conceituai o como se o ar do tempo nos estivesse a
fato revolucionário idealmente não se faltar. E o resultado é que o tempo
legitimará. sempre se escoa inutilmente para
quem o desgasta e dilapida tudo que
5. — Não se trata somente de ela rendo fazer num átimo, assim como se
borar programas administrativos, pois mantém ôco para quem se conserva
o que se impõe, antes, é a fixação dos alheio aos problemas da vida; o tem
quadrantes ideológicos nos quais os po deve ser sorvido com o superior
domínio de quem sabe que a sua di
planos de govêmo passem a ter signi
ficado real. Uma revolução é uma “ to
talidade de sentido”, em cujas coorde-