Page 66 - Telebrasil - Março/Abril 1999
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U l t i m a P á g i n a
Armando Medeiros
ra uma vez um pintor chamado Sa damente assumir seu papel de agen so à rede deveria
muel Finley Morse (ele mesmo, te motor do progresso, que representa ser o monopólio
o Morse do código). Pintava magis ria por mais de um século. Na mes estatal. Isto se
trais paisagens, mas concentrava sua pro ma tnlha, vieram mais tarde o telefone, passou (pasmem')
dução em retratos, pois daí vinha seu sus o “telégrafo sem fio”, o rádio, a televi apenas um pouco
tento. Vivia feliz com sua mulher, até que são, a Internet. 1 loje sena difícil, senão imos- antes de que o uso da Web extrapolasse*
um dia, estando ele em viagem à busca de sível, imaginar o que teria acontecido se al qualquer capacidade de controle.
clientes, veio ela a falecer. Pelos precários guém tivesse desavisadamente impedido tal Mas não se trata apenas de casos do
meios de comunicação existentes em 1840, progresso pelo simples fato de não existir ain passado. Hoje em dia ainda existem si
Morse não soube do falecimento da mu da uma norma definindo o serviço telegráfico, tuações envolvendo serviços que não sáo
lher senão alguns dias mais tarde. Por mais ou por simples proteção do ,sta tu s fpio. autorizados por não atenderem integral
que tentasse uma volta apressada, so Ninguém de bom senso pode ser con mente a normas que misturam a descri
mente conseguiu chegar em casa quando tra uma necessária dose de regulamentação. ção dos serv iços com a tecnologia usada.
a esposa já havia sido sepultada. Revol O espectro eletromagnético é limitado e Sistemas que pretendem prestar um
tado com a precariedade das comunica escasso, sendo essencial que seu uso se faça determinado serviço utilizando infra-es
ções existentes e apesar de nada ter a ver de acordo com normas rígidas e específicas. trutura já autorizada - ou seja, não con
com sua atividade de artista, nosso Sam A interconexão de várias redes de telecomu sumindo recursos adicionais de espec
voltou-se a seu antigo hobby. experiências nicações exige normas de interface que ga tro - estão tendo sua autorização prote
66 com eletromagnetismo, e não sossegou rantam inclusive a proteção contra eventu lada apenas por usarem plataformas que,
enquanto não desenvolveu todos os deta ais danos causados por umas nas outras. A apesar de perfeitam ente legalizadas,
lhes de uma invenção que chamou de “te
operam em bandas diferentes daquelas
prestação de um serviço público básico e
jan-fev/99 légrafo elétrico”. Seu objetivo era a subs essencial, como energia, transporte e comu as normas que as definem.
indevidamente especificadas nas própri
tituição do precário e limitado “telegra
nicações, deve ser regulada, para proteção
fo óptico” (no qual as mensagens eram
Voltando ao ponto: regulamentar a co
mais tio consumidor do que do Estado.
transmitidas e repetidas por sinais ob
mercialização de serviços que não forem
O que dizer, no entanto, de novos ser
Telebrasil servados ao longo de umas poucas rotas, entes maneiras de prestar antigos serviços evitado (mesmo porque assim dispõe a I^ei
de interesse público nem essenciais ou que
viços - talvez até nem tão essenciais assim
cada um à vista do anterior e do seguin
não provoquem dispêndio de recursos es
-ou de melhores e mais completas e efici
te) por algo mais eficiente.
cassos deveria ser, sempre que possível,
O que teria acontecido se Morse não
que, embora sem atender integralmente a
tivesse sido autorizado, por algum imagi
nário ente regulatório da época, a iniciar a normas exageradamente reguladoras, não Geral em seu artigo 128). Um serviço adi
cional, que pode ser ao mesmo tempo pres
fazem maior uso tio recurso escasso como o
prestação dos serviços viabilizados pelo espectro de freqüências? O bom senso pa tado por uma plataforma originalmente
seu infante invento? Afinal, sua proposta rece desaconselhar a excessiva regulamen autorizada para outro uso, deveria ser sau
poderia ter sido rejeitada em consideração tação nesses casos, especial mente se a li- dado e tratado simplesmente como de
à empresa que explorava o telégrafo ópti beralização estiver entre os objetivos a se valor adicionado, sem maiores burocraci
co, que acabara de investir pesadamente rem perseguidos a maior prazo. as. Imaginem, por absurdo, que alguém
em novas lunetas e novos postos de obser () que dizer de regulamentos de con decidisse não permitir a publicação dc
vação e era importante proteger tanto os trole impossível, inútil ou excessivo? O uma revista como esta, digamos, por usar
investimentos existentes quanto a quem bom senso mais uma vez desaconselha papel diferente do previsto na norma bra
ja estivesse no mercado. Tal proposta po a excessiva regulamentação. Como sileira, ou simplesmente para não prejudi
deria ainda ter sido rejeitada em conside exemplo, vem-me à lembrança um de car as demais já no mercado, ou ainda que,
ração (e cm proteção) aos serviços tão efi- crépito dispositivo legal que proibia a autorizada ,a revista, não fosse permitido
cientementc prestados pelo Rony Express» recepção (!) direta de canais estrangei publicar algum suplemento especial. Ca
que acabara de abrir seu mais novo ranrh ros de televisão transmitidos por satéli misa-de-força nele!
para a criação de cavalos I S k e v e , espe te, como se fosse direito natural do Es Sem advogar uma liberalização sel
cializados em cavalgadas de longa distân tado controlar a recepção individual de vagem, reconheço que, se muito aconte
cia, tornando mais rápida a distribuição sinais. Não sei se esta medida foi algu ceu durante o atual Governo no sentido
de seus malotes de correspondência ... ma vez formal mente revogada ou se con da privatização de nosso sistema de tele
Rara a felicidade de todos nós, as latitu tinua morta-viva, como tosco e patético comunicações, muito ainda há por se fa
des onde tal historinha teria acontecido não monumento ao obscurantismo. zer no sentido de uma efetiva liberaliza
foram jamais influenciadas pela fúria regu- Outros casos semelhantes foram as ção (sensatamente controlada, é claro!)
latória, endêmica em nossa herança latina infrutíferas tentativas de controle do “flu Sou levado igualmente a reconhecer que
e ibérica. Morse recebeu não apenas bri xo de dados transfronteiras” e da própria nossos reguladores estão de mãos parii-
lhantes elogios como também um subsí Internet, cuja introdução legal aqui se almente atadas por conceitos emanados
dio de trinta mil dólares (uns 30 milhões, a deu bastante tardiamente (quase já ao da legislação vigente, e que o próximo
valores de hoje) para a implantação da pri final de 1995), depois de meses de dis passo deve talvez ser dado por nossos le
meira linha telegráfica, entre Washington cussão, pois havia, à época, muitos que gisladores. A estes, então, a palavra.
e Baltimore. O telégrafo elétrico viria rapi- defendiam que o único provedor de aces * Armando Medeiros é diretor geral da Iridium ¦