Page 26 - Telebrasil - Julho/Agosto 1990
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imperial, em doses variáveis, num ambiente agra tais blocos tendem a diminuir a cooperação inter pansão da empresa estatal com neutralização do
vado pelas disfunções do sistema jurídico e pelo nacional ao longo do eixo Norte-Sul. poder econômico externo. Do ponto de vista so
colapso das instituições políticas e sociais”. Aspá- cial, houve descaso de investimentos em recursos
sia Camargo deteve-se a explicar o fenômeno do humanos, ênfase em políticas de concentração da
liberalismo que ocorre periodicamente no mundo Dilema propriedade e mediação do Estado na fixação dos
“ao término de regimes com estruturas que não salários. No plano político, o modelo getuliano
mais funcionam”. Visando minimizar a presença Para Aspásia Camargo, o dilema a ser enfren pautou-se pelos acordos e práticas das velhas oli
do Estado, o liberalismo se opõe tanto ao neo- tado pelo Governo Collor, ou por outro qualquer garquias regionais de modo a neutralizar a ação
corporativismo, que quer vantagens para grupos, governo que aqui se instalasse, é o do estabeleci do Congresso e a hegemonia do grande capital”,
quanto ao excesso de leis e de processos decisó mento das prioridades entre as demandas sociais observou Aspásia Camargo.
rios que fazem da presença do Estado a fonte de de um lado e a modernização da economia do ou
todos os males. tro. O primeiro passo do Governo Collor foi devol Mudança
Mostrou ainda a palestrante que “o liberalis ver ao poder público o poder da iniciativa e está
mo serve de coveiro de Antigos Regimes com a fi sendo acompanhado por uma Reforma Adminis Na última década, sob o impacto da crise in
nalidade de instaurar projetos para renovação so trativa do Estado que, no entanto, deverá ser acom terna e com o exemplo internacional, a sólida ar
cial. Historicamente verifica-se a renovação de qua panhada de reformas sociais correspondentes. quitetura política da Era Getuliana “praticamen
dros e a ocupação de cargos, com a finalidade de “Quanto à crise brasileira, ela é oriunda, sem dú te ruiu”. As pressões para a mudança do papel do
revitalizar a função pública e o que se inída, na prá vida, metade pela incapacidade de gestão do se Estado, como condutor soberano do processo eco
tica, é um novo delo de poder”. No entanto, a uto tor público, mas que tem, em contrapartida, pri nômico, social e político, advieram da degradação
pia liberal — uma sodedade sem Estado ou com vilégios que advêm de posições de classe ou de be do setor pública Este foi sendo substituído por ins
um Estado mínimo — poderá ficar cada vez mais nefícios que são gozados por minorias”. tituições não-governamentais, que, no entanto, se
afastada se ao contrário o Estado for encarado co A seguir, a palestrante se deteve nas caracte beneficiaram da inflação, do endividamente inter
mo uma entidade reguladora de conflitos e a ob rísticas da Era Vargas — que duram até hoje — e no do governo e do déficit do setor pública
jeto ideal para reunir os esforços da Sodedade em são marcadas por um sistema de pactos e alian Prosseguindo sua explanação Aspásia Camar
tomo de metas, valores e objetivos comuns. ças sob o beneplácito do Estado. A Era Vargas, que go previu que o caminho a ser percorrido para dar
Em relação à figura emergente do Super- dura oerca de meio século, teve breve interrupções, término aos valores da Era Getuliana será de “idas
Estado, destinado a substituir o atual conceito de com a mal conduzida experiência populista do pe e vindas”, mas que a opinião pública explicitou de
Estado, tradidonalmente baseado na idéia de uni ríodo Jânio Quadros, mas seus valores foram res maneira irretorquível suas prioridades, em longa
dade territorial, lembrou a cientista social o sur tabelecidos no período de 64 a 84. Os governos mi campanha eleitoral, feita em dois turnos. Foram
gimento no Primeiro Mundo da idéia da criação litares foram uma variante do tenentismo dos anos elas: moralização das instituições e fortalecimen
de um Estado Supranadonal, regulado por um Di 20 e 30 (os atores são os mesmos) e resultaram num tos da ordem pública; modernização da economia
reito Intemadonal Público. A mentalidade de um alto intervencionismo estatal, na reformulação da e da sociedade, secundo padrões internacionais;
Supcr-Estado se revela ao se tratar, intemadonal- política externa (substituição do alinhamento au e redução das desigualdades sociais.
mente, de questões como meio ambiente (daí a tomático pelo pragmatismo responsável) e pela tu Ao final de sua palestra, a cientista falou da
preocupação com a Amazônia), sobrevivência do tela do poder castrense sobre as instituições polí emergência de novas lideranças carismáticas e das
planeta, questão nuclear e estabilidade económico- ticas. inicitivas individuais que estão marcando a reno
financeira mundial. A criação da Europa unifica “O modelo getuliano, dominante na segunda vação das elites políticas do País. "Sem dúvida está
da (1992) e do bloco asiático são movimentos in metade deste s&njlo, enfatizou o crescimento eco ocorrendo uma renovação de quadros no atual Go
termediários entre a convivência de Estados inde nómico, favoreceu o pacto corporativo entre capi verno, na faixa dos 30 a 40 anos, ainda que seu grau
pendentes, como agora, e a criação futura de um tal e trabalho, garantiu altas taxas de juros para de articulação seja ainda precária", concluiu As
Super-Estado. Em termos práticos, a criação de oligopólios e expandiu a atuação do modelo de ex pásia Camargo, c/CF).
BEÜND1A
A PARTE RICA (ou Bélgica) A PARTE POBRE (ou índia)
Sociedade Moderna — 8 o PIB do Mundo Primitiva — Economia Informal da Miséria
Indicadores Econômicos: 10? PIB mundial; 9? exportador; 3? Indicadores Sociais: 52? lugar em renda per capita, abaixo da
no superavit comercial; 1? exportador de açúcar, café, soja; Malásia, Argélia, Omã, Trimdad e Tobago; 74? lugar em nivel
3? de aço; 8? de material bélico, carros, manufaturados; 1 ? em de educação abaixo de Madagascar, Indonésia, Gana, Zim-
auto-suficiência c/6% do PIB, apenas em importações; pro babue, Tunísia, Maurício, Malásia, Zaire, Egito.
duz 50% do petróleo que consome.
Conseqüêncla da diferença: 15% das famílias vegetam com
15 dólares per capita (miséria); 35% com 30 dólares (extrema
pobreza); 41% com 60 dólares (pobreza); 65% até 240 dólares (4 salários mínimos);
Conseqüôncia da Diferença: 1% da população ganha o mes
mo que 50% da massa dos mais pobres. metade da massa trabalhadora ganha até 2 salários mínimos; 27% de crianças vi
vem na miséria e 53% na extrema pobreza.
Ignorância: a população acima de 15 anos tem 20% de analfabetos; apenas 10%
Sapiência: minoria de profissionais com doutorado; maior minoria, ainda, com pós- dos adultos têm curso primário completo; 64% dos alunos se evadem da 1* à4‘ sé
doutorado, em universidade estrangeira. rie; apenas 9,6% dos alunos completam a 8? série.
O papel do Estado em debate
Representantes da elite cultural do País Romeu Trussardi m da Fed. Assoe. Co- nicípios, ainda que possam ocorrer pequenos de
opinaram sobre o papel a ser desempe merdal/SP) - O Estado deve intervir apenas no que sastres, será menos inflacionário do que manter
for indispensável. No Brasil Novo, já tivemos ex tudo sob controle Federal.
nhado pelo Estado. Uma idéia ficou cla
cesso de intervencionismo e que esperamos vá di
ra, a de que a imagem do Estado — des minuir. Tbdos devem ajudar o Plano Collor, mas João Paulo dos Reis Velloso
gastada por sua pobre atuação nos anos a recessão não deve se instalar, ao aumentar o ní Ministro do Planejamento) - Cerca de 35 milhões
80 — mostra d necessidade da reformu vel de pessoal desempregado. de eleitores ao eleger Fernando Collor expressou
lação na área pública. Outro conceito sua vontade, para desagrado de uma minoria. Pre-
Roberto Macedo {Diretor da Fac. Econ. e cisamos, adicionalmente, de partidos de massa,
emergiu do mesmo Debate, o de que o Adm. da USP) - O Brasil não tem sistema de pro modernos, que possam refletir as demandas da so
problema da conjuntura com que nos teção adequada contra o desemprego e o desem ciedade. Temos que ter o mercado e o Estado sob
defrontamos, não é apenas de ordem pregado se verá cogitado a assaltar. No Brasil, tudo controle social e não apenas de grupos que rece
é considerado social, mas social mesmo é dar pa bem subsídios explícitos (1.5% do PIB) do Gover
econômica, mas também é cultuial e so
ra quem necessita. Aqui, saúde e educação vão pa no.
cial. Finalmente, ficou a consideração ra os privilegiados e não para os desvalidos. Toma-
geopolítica de que não é s ó o Brasil que se como valor de referência social, a elite do pro Carlos Lessa (Economista pela UFRJ) - 0
repensa o papel do Estado, o mesmo letariado, aquela que paga imposto de renda, mas Brasil é 60% urbano e 40% rural. Observa-se nos
é a outra parte que deve ser considerada. Descen municípios, com vilas de menos de 20 mil habitan
acontece no restante do Mundo.
tralizar a macroeconomia rumo dos Estados e Mu- tes, que lá as distâncias sociais são menores e os