Page 25 - Telebrasil - Julho/Agosto 1990
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Num momento de Perestroika, Europa tividade do trabalhador. Um operário brasileiro “Do atendimento, ou não, das carências sociais
92, Bloco Asiático, Ecologia, o Brasil produz o equivalente a 1/3 e 1/4 do que se consta brasileiras resultam dois cenários alternativos. No
ta no Sul da Europa, mas, em compensação, seu cenário positivo, o Brasil do ano 2000 terá o 5? PIB
não podería ficar isolado ao que se pas
salário corresponde a 1/6 do que ganha um traba mundial, com uma estrutura social equivalente ao
sa lá fora. Intemamente, porém, o pro lhador europeu. Quanto ao item da alimentação, Sul da Europa. No cenário negativo desfilará to
cesso de mudanças também está em an a meta para a década de 90 deve ser aumentar a do um rosário de agravamento das tensões sociais,
damento. Finda-se a Era Getuliana e produção de alimentos de 1,7 milhões para 37 mi com crescimento incontrolável da criminalidade,
lhões de toneladas. A mais longo prazo, deve ser greves selvagens, aprofundamento do dualismo so
seus valores antigos. Hélio Jaguaribe fa
tratado o problema da habitação e que envolve um cial levando a uma crise iminente e a reações au
la do Brasil dual: 8? PIB do mundo e déficit habitacional de 9 milhões de moradias. toritárias”, adverte Hélio Jaguaribe.
74? lugar em nível educacional. Aspá-
sia Camargo trata do papel do Estado.
O Estado
Ambos foram palestrantes no Seminá
rio “Retomada do Desenvolvimento — Aspásia Camargo, Secretária de Estado da
0 Brasil dos anos 9 0 ”. Cultura/RJ, tratou do papel a ser desempenhado
pelo Estado que ela definiu como o de “condutor
da vida política de um País e de regulador de sua
Brasil Dual
economia”. Analisando a realidade brasileira, ela
disse que o modelo getuliano vige no País, desde
0 professor Hélio Jaguaribe, decano do Insti
1930, mas está esgotado e que na Nora República
tuto de Estudos Políticos e Sociais — IPES/RJ, de ocorreu o descrédito e a desmoralização do poder
maneira contudente, mostrou que o País, apesar público ao mesmo tempo que, no ambiente exter
da unidade política e territorial que possui, é cons no, ampliaram-se com êxito, políticas de liberali
tituído por duas sociedades distintas: uma moder zação, principalmente na Europa e nos Estados
na, que corresponde à 8? economia do mundo e Unidos. “Nos países do Primeiro Mundo ocorreu,
outra atrasada e pobre (vide 'Ihbela). Ao analisar porém, um ciclo social-democrata que assegurou
o crescimento do País, ele interpretou a estagna o bem-estar e a democracia das massas, ao passo
ção brasileira dos anos 80, que se seguiu a um pe
que, no Brasil, no mesmo período, acentuaram-se
ríodo de acelerado crescimento das décadas de 40
infelizmente as distâncias sociais”.
a 60, como resultante do esgotamento da poupança O vice-Presidente du Republica (de ikvlus), Itamar Na opinião da cientista, no Brasil, ainda deve
interna e sobretudo pela degradação de um Esta Franco, tendon seu Indo Paulo Protnsio, PR da A s remos conviver no futuro com as idéias da “plena
do “incompetente e corrupto”. sociação Comercial do RJ. economia de mercado, ao lado de um populismo
“O setor moderno da sociedade necessita co
mo contrapartida um Estado moderno para poder
funcionar, disse o professor do IPES, que cons
tatou nos anos 80 uma paralização alarm ante do
processo de modernização do Brasil que se exten- O E s t a d o B r a s i l e i r o
de do parque industrial às Universidades, que per
deram o nível de excelência. A dentista social Aspásia Camargo desen*- bem-estar das massas. A resposta começa pela
Profundamente embebido no tecido social bra vi» o Estado brasileiro como de caráter patri avaliação do que pode ser feito, fora da esfera
sileiro estão os interesses corporativos que vão des monial — que distingue o que é público e o que do Estado, mas a um custo global menor. Em
de das pressões (espoliativas) das classes em pre é privado, tal como fez o Estado Romano — e resume\ dois problemas precisam ser logo ata
sariais, passando pelos privilégios (cartoriais) da mercantilista, regulamentando tarifas e distri cados: implantar políticas de organização (tem
classe média e pelo corporativismo (protecionis buindo privilégios. Na cwlução do pape/ do Es a haver com a produção da riqueza) e de refor
ta) das classes obreiras, disparou Hélio Jaguari tado, a Revolução Francesa introduziu a Rex mas sociais (tem a haver com a distribuição da
be. Frente à situação de desigualdades existentes, Pública, com a idéia do Estado controlado pe riqueza). Como as políticas de organização são
caminha o País para um programa social que se lo ddadàa Depois, surgiria o poder burocrá gendmente penosas, envolvendo desemprego,
rá intratável, democraticamente, caso não se ado tico, estável, acima do poder flutuante dos go realocaçào de mão-de-obra, reorganização de
tem dentro de um prazo razoavelmente curto — vernantes. impostos, “o desafio é como modernizar o País,
de 2 a 15 anos — medidas concretas para solucio O Estado brasileiro tradidonal tem tido co sem levá-lo a uma situação explosiva ” resume
nar os problemas mais urgentes. A partida para mo objetiw s compatibilizar os pólos de inte Aspásia Camargo, destacando que o “proces
estas medidas deverá ser dada, já no Governo Col- resses interno e externo, bem como zelar pela so é lento podendo levar anos”
lor, visando aumentar as esperanças para alguma acomodação territorial, com o que se tornou Quem é dona das prioridades do Estado é
solução da crise social. um elemento aglutinador e coordenador de es a Conjuntura. Na reconstrução, mais recente,
Prosseguindo em sua exposição, disse o soció forços, mas também um distribuidor de privi do Estado brasileiro surgiu não só o discurso
logo que o dualismo brasileiro provém de fatores légios. O País, no entanto, por sua extensão ter de Tancredo Neves — democracia com auto
remotos como o regime de servidão, em vigor até ritorial é heterogêneo e é o Estado que deve tra ridade — mas também o de Fernando Collor
o Século XIX e que a Abolição, no entanto, não su tar dos segmentos moderno e tradicional. “modernização do País, com reforma social”
perou. O Brasil permaneceu agrário até os anos O movimento liberal tem atuado, histori Prioridade, sem dúvida, é solucionar o colap
60 quando então, somente a produção industrial camente, como elemento saneador do Estado so da Educação, problema de todos nós, e que
superou o produto das fazendas. A industrializa ineficaz mas tem terminado em transferências não se resolverá a curto prazo. Para competir
ção tardia do Brasil caracterizou-se pela maior ên de poder, do antigo para o novo, tal como ocor na arena internacional do livre comércio é no
fase em bens de capital e tecnologia do que na ab reu em 1889 (Proclamação da República), 1930 entanto, necessário ter recursos humanos in
sorção de mão-de-obra vinda dos campos, dando (positivismo dos militares e patriotismo de Var ternos adequados, e China, Rússia, Leste Eu
origem dos cinturões de pobreza das grandes ci gas) e 1964 (tutela militar e modernização da ropeu e o Primeiro Mundo contam com recur
dades resultando nos fenômenos das favelas e da produção). Na sua vertente política, o libera sos humanos mais preparados do que nós, pa
economia informal (25% da população economi lismo visa alargar a democracia ao passo que ra responder aos desafios da tecnologia.
camente ativa). na sua vertente econômica ele objetha insta “Somos filhos de uma sociedade escrava-
No entender do decano do IPES, a superação lar um mercado de massa. N o ambiente inter gista. Achamos natural conviver com desigual
do dualismo requer: 1) - revolução educacional; 2) nacional, crescem os pivblem as comuns da dades profundas da ordem de 70 salários mí
- política de pleno emprego; 3) - valorização do tra droga, da ecologia, da violência e nasce as nimos. Tb mos que nos habituar a não mais con
balho e; 4) - serviços sociais básicos como habita idéias do Super-Estado, com minimização dos tarmos com um Estado paternalista que her
ção e alimentação. A revolução educacional envolve Estados Nacionais, “um fato com que devere damos dos portugueses. A sociedade civil, que
a reciclagem cío magistério e o reajustam ento da mos conviver” diz o cientista social. está fazendo uma crítica ao Estado, precisará
carreira, além de escolas com educação integral A questão brasileira do Estado se resume agora avocar, para si, uma autogestão para
de, no mínimo, 6 horas diárias e o cheque-educação. em saber como passar de um Estado — tradi substituí-lo. Eis onde reside o impasse” con
A valorização do trabalho consiste na elevação cional e antigo — para a implementação do clui Aspásia Camargo. (JCF)
progressiva do salário básico e do nível da produ