Page 62 - Telebrasil - Maio/Junho 1984
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O C o n f l i t o d a s G e r a ç õ e s
L. S. C. de Sampaio (V ice-presidente da E m b ra te l)
Que mudanças no plano social, coerência de seus "m estres” , largo senso; seria quase uma petição de
entre tantas que no horizonte se princípio recomendar às velhas gerações que se preparem para tanto’
delineiam , trará a teleinform ática O natural conflito de gerações acirrar-se-g por algum tempo.
no que tange ao relacionam ento Atentem os, adem ais, que, num a sociedade onde privilegia-se o
das gerações? Precisando, como pensar tecnico-científico, por consequência o económico, um maior do
por ela será afetado, o relaciona minio lógico-formal traduz, sim ples e rudem ente, poder. Perguntamo-
mento de jovens e adultos? nos, agora, se a atual gerontocracia ( um dentre outros tantos sistemas
Para tentarmos uma resposta a de poder hoje vigentes) estara preparada para negociar uma redistn-
essa q u e stã o , d evem o s te r em buição de poder e/ou, aceitar, pelo m enos, um decréscimo em seus
m ente que a revolução telein for privilégios?
mática é, em essência, uma revolu A propósito, um fenóm eno analogo ao acim a previsto, ocorreu no
ção lógica: com ela, o homem conse curso das últim as duas décadas, por força da sim ples introdução do
gue, por meios artificiais, ampliar processamento eletrónico adm inistrativo. Foi notória a diminuição da
de forma significativa sua capaci idade média dos detentores de cargo de chefia em quase todas as em
dade natural de pensar (codificar, estocar, processar, etc.) form al presas, tanto no exterior quanto no Brasil.
mente. Assim , a resposta que procuramos derivará da avaliação que O poder dos m ais velhos ju stificava-se, antes, por uma pretensa
façamos do modo diferenciado pelo qual a revolução teleinform ática "experiência” , que outra coisa não era que o saber acumulado dos ca
venha a afetar o desempenho lógico-formal das gerações. sos de exceção, que so se m antinham , como tais, enquanto produzidos
Segundo P iaget (1), o momento de pleno domínio das operações ló pela própria estrutura de poder que, circularm ente, fundamentavam
gico-form ais no desenvolvim ento do indivíduo acontece na faixa de 14 0 processamento eletrônico não m ais podia aceitá-los. depois de muita
a lfi anos de idade. Há pouca variação nos lim ites da faixa, seja para luta, as "excepcionalidades" foram reveladas, em seguida suprimidas
indivíduos da mesma cultura, seja mesmo para indivíduos pertencen ou dissecadas, e estas por fim incorporadas ao processamento global 0
tes a contextos culturais bastante díspares, conforme o demonstram estoque de exceção não poderia ser m ais reconstitu ído e, dai por
diversos autores que utilizaram a estrutura conceituai piagetiana em diante, mais valia quem m elhor interpretasse relatórios automatica
pesquisas transculturais (2). Estas considerações levam-nos a crença mente em itidos pelo novo sistem a, e, de pronto, pudesse incorporar os
qu eoatin gim en tod n proficiência lógico-formal nos indivíduos ê forte- novos casos ao processamento eletrônico; os m ais jovens poderiam fa-
m ente condicionado por um processo de maturação fisiológica subja zè lo agora, se não melhor, pelo menos, com petitivam ente.
cente. Aliás, esta espécie de determinação, sabe se,bem. acontece em Volvendo dessa pequena digressão, podemos retom ar a linha mes-
outros tipo críticos de aprendizagem, em especial, no própria aquisi 1 ra do nosso pensamento, colocando, agora, algum as questot-s mais es
ção de linguagem natural.
pecificas eja em ergentes nos países m ais desenvolvidos. Se, por exem
Em que pese o forte condicionamento fisiológico, e bem certo que a plo um pequeno grupo dejovens de dezesseis ou dezessete anos é capaz
plena m aturação só podo ocorrer na circunstancia de uma permanente de desenvolver um program a de com putador de alto valor comercial,
e intensa exposição do indivíduo a um ambiente adequado; no caso da como será justo negar-lhes a capacidade de negociá-lo no mercado? Se
linguagem natural, por exemplo, á falação fam iliar. considerássemos que isto seria reconhecer-lhes uma maioridade co
Não é necessária grande perspicácia para prevermos que os jovens mercial. deveriam os tam bém im putar-lhes uma responsabilidade ci
das gerações vindouras, passando pelos anos que ant ecedem a referida vil plena * Por outro lado, que tratam ento devem os d a ra delinquência
faixa etária, iráo encontrar um ambiente ricamente estruturado do teleinform ática, que já e uma realidade nos E U A e e alguns paisesda
ponto de vista lógico-form al concreta mente, viverão em meio á mais Europa7 Devemos já , pelo menos, com eçar a pensar nas respostas.
variada gam a de jogos eletrônicos, microcomputadores, term inais de
( )utro aspecto relevante a assinalar é que se tem verificado histori
grandes computadores, etc., que, do simples manuseio ás múltiplas camente que o ponto alto da criatividade na área das ciências de estofo
oportunidades de alteração ou criação programática, lhes ira suscitar
lógico-formal (incluindo a própria Ilógica, a M atem ática, as Lingua
uma atitude m ental de orientação marcadamente lógico-formal. gens Formais, as Ciências de Com putação, etc.) ocorre numa faixa de
A s linguagens de programação, cada vez mais aproximando-se de baixa idade, entre dezoito e trinta anos, o que, aliás, e quase que um
lingu agem natural, ser-lhes-ão de fácil acesso e domínio. Indireta-
corolário prático das postulações piagetianas anteriorm ente mencio
mente, dar-se a um outro efeito nada desprezível. A proximidade das nadas (contrariam ente, ao que se observa, a título de ilusiraçao, com a
linguagens, de program açãoe natural,ensejará, entreelas, a competi criatividade romanesca, que dificilm en te desabrocha antes dos qua
ção; essa últim a irá ser forçada a uma m aior concisão, rigor e logici- renta anos). Assim , é de se prever que, na ocorrência de uma mais indi
dade; será a esta nova linguagem "natural” que estarão expostos os vidualm ente intensa e socialm ente extensa maturação lógico-formal
jovens de amanhã. dos jovens, dar-se-á, consequentem ente, um aumento vertiginoso da
Agregue-se a isto tudo que este mundo, gerado em plena era consu- criat ividade social nas áreas científicas acim a mencionadas. Isto tra
rnista, por artes de muito engenho c tanto ou mais dinheiro posto em duzir-se-á, mais uma vez, em poder, e o balanço tenderá aqui também
"m arketin g” e design”, como hoje já se pode constatar, não será me para os jovens. N ão nos iludamos: terem os em breve futuro, todos, jo
nos capaz de se vender e, sim ultaneam ente, entreter e fascinar vens e nós, m ais idosos, que encontrar um jeito de bem administrar
Em contraposição, como se apresentava o am biente lógico-formal este velho conflito que se renovara com a chegada da era teleinformá
para as gerações hoje adultas e anteriores? A lem do imperioso calcular tica.
e regatear numérico nas operações de compra e venda, o mais era o Se por acaso alguém suspeitar que estamos dando uma importân
mundo abstrato das lições de aritm ética, geom etria e álgebra que, cia exagerada às peripécias por que venha no futuro passar a relação
para a m aioria esmagadora, sabemo-lo bem, era de pouco ou nenhum entre gerações, seria oport uno lem brar — a crer nos freudianos que
fase in io
o próprio surgim ento da cultura ter-se-ia dado com um sofrido tratado
A simples comparação destes dois am bientes é suficiente para le de paz entre filhos e pais. Tratado que se renova em cada um de nós
var nos á convicção que, em média, os jovens talvez desta e, por certo, (superação da problem ática edipiana) e na sociedade como um todo,
da próxima geraçao apresentarão um desempenho excepcionalmente através do reviven ciam ento insistente e m ultifário do mito primor
elevado no domínio das operações lógico-form ais do pensamento, vis- dial.
à vis à media das gerações pretéritas. Nestas circunstâncias, é de se
pressupor que o relacionam ento jovem/adulto nesta e na próxima dé Bibliografla:
cada venha a ser profunda mente afetado, Estes jovens aliarão, ao seu 1 > Piaget. J Psicologia dn Intehgencin Ed Fundo do Cultura — Rio — 195$.
tradicional espirito de rebeldia, um elevado grau de coerência lógica 2) Berry. J W and Danseti, P R od C ulture and Cognition Reading in cross-
em suas formulações críticas e reinvidicatóriase exigirão esta mesma cultural psychology M ethuen— London— W74
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