Page 2 - Telebrasil - Novembro-Dezembro 1965
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B IL H E T E AO                                       LEITOR

“INTOCABILIDADE” - UM SLOGAN ABSURDO

                                                      Hugo P. Suares

Devido aos desencantos e decepções sofridos nos muitos anos de perseve­
rante combate à tese da estatização dos serviços públicos, talvez tenhamos
ficado a dever os momentos de reflexão a que nos impusemos, recentemente,
buscando em leituras amenas reaquecer o espírito e readquirir nõvo alento
para prosseguir combatendo.
Sinceramente, o chavão surrado da intocabilidade tão em moda chega a
magoar-nos, mormente quando o que se pretende, na maior parte dos casos,
é pura e simplesmente conceder a determinadas criações humanas a aura
da infalibilidade, quando todos sabemos que neste mundo nada, a não ser o
poder divino, o pode ser.
Nada nos revolta mais e desespera do que a assertiva, quando aplicada
indevidamente. A Petrobrás intocável, a Constituição intocável, e tantos e tan­
tos outros chavões de intocabilidade, chegam a enervar, a trazer incontida ir­
ritação, porque todos sabemos que o conceito da intocabilidade nada mais re
presenta que a conceituação do próprio absurdo.
Na era atômica, quando o espaço sideral pretensamente impenetrável e
intocável é cortado pelos engenhos do homem; quando a cirurgia moderna
penetra recantos supostamente inacessíveis do corpo humano para corrigir
cs males e restabelecer a saúde — comprovando que nem mesmo o insondável
é intocável — seria ridículo querer-se assegurar a intocabilidade de preceitos
e normas engendrados pelo homem, frutos da pura alquimia de idéias e de
opiniões muitas vêzes controversas.
Tudo isto nos vem à mente diante de noticiário mais recente, segundo o
qual a estatização dos serviços telefônicos não pode mais ser impedido por ser
uma decorrência da Lei n.° 4.117 e porque dita lei — o Código Brasileiro de
Telecomunicações — é intocável! ,
Mas como e porquê intocável tal lei, se a própria Lei Maior, a Constituição
Federai, jamais, em tempo algum, o tem sido? Porquê considerarmos a infa­
libilidade de alguns legisladores que caminharam em certa fase anormal dêste
país, para a estatização radical dos serviços de telecomunicações, se está pro­
vado, seguramente provado, que as falhas decorrentes da malsinada lei estão

a exigir correção?                                            »
Na leitura amena a que nos referimos fomos buscar o lenitivo para os nos­
sos desenganes — nós que tanto lutamos por um ideal superior, o do revigo-
ramento da iniciativa privada nesse campo de atividade — e fomos severa­
mente batidos, vencidos pelos extremistas hoje varridos do Congresso, cujos
dogmas ideológicos nos levaram de roldão e agora, após o restabelecimento
dos princípios democráticos e da ordem jurídica que periclitaram, somos sur­
preendidos com a mística da “intocabilidade" da Lei 4.117. ,
Só mesmo Thomas Merton, em sua edificante e magistral obra “Homem
algum é uma ilha" nos poderia dar o desejado lenitivo, fazendo restabelecer
em nosso espírito a esperança que se esvaía.
Pedimos vénia aos leitores para repetir algo que nos tocou profundamente
em nossa leitura e demonstrar que nada é intocável neste planeta, buscando
salientar assim que o princípio da intocabilidade é o próprio principio do
absurdo e que, por essa razão, melhor seria, no caso em tela — quando se
discutem as falhas do Código Brasileiro de Telecomunicações melhor seria
repetimos, mudar os critérios, alterar as fórmulas legais e dar à lei das tele­
comunicações as linhas adequadas para o exercício de suas próprias regras.
Diz o magistral pensador, em seu magnífico trabalho:  ,
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