Page 9 - Telebrasil - Setembro/Outubro 1993
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P o n t o d e V i s t a
Teatro do Absurdo
Dois executivos aguardam a condução que os le — Não é não, as tarifas estão baixando. E tem
vará ao trabalho. Um deles, o mais alto, aparenta o telefone público, a cartão, para quem não pode
otimismo. Já o mais baixo, se mostra cético. Ambos ter celular. Não tem cão, caça com gato.
discutem a conjuntura de um país, não se sabe bem
qual. Fala, o otimista: — Cartão? É uma figurinha difícil de achar. Até
nos aeroportos, cheios de TPs a cartão, nunca tem
Não existe crise. O sistema estatal acabou cartão.
de fazer, de uma vez só, uma grande encomenda
de equipamento desenvolvido com tecnologia local, — Não tem, mas vai ter. Vamos ser otimistas.
o que deveria deixar todo mundo chorando de felici A inauguração desses TPs foi linda. Pena que os
dade. Um verdadeiro recorde. dirigentes que a fizeram já não estão nem mais aí
para saboreá-la. Alguns foram cuidar de administrar
João Carlos — Mas foi só para cumprir com uma obrigação as próximas eleições, o que dá muito mais retomo.
Pinheiro da Fonseca legal que obrigava o sistema a adquirir o saldo deve
dor até agosto deste ano. E assim mesmo beneficiou Nesse ponto, os dois executi vos ficam em silên
somente quatro — os invejosos dizem três — empre cio e meditam sobre como seria bom contar com
sas. O pessoal que ficou de fora também quer sua um amigo político, daqueles "realmente" influentes.
parte do bolo. E a conversa continua:
— Houve promessa de encomendas, ainda este — O problema mesmo é ver se privatizam ou
ano, para os demais. Quando não é culpa da gestão não privatizam o sistema. E só pensar o que aconte
anterior, os governos s-e-m-p-r-e cumprem o que ceu na ...
prometem.
— Não interessa o que acontece lá fora. O pro
— É verdade, nem que seja no ano 2(XX). Esta blema é aqui. Vamos pnvatizar e abrir para a explo
mudança de milênio parece até passe de mágica: tu ração de risco.
do de bom irá acontecer no Século XXI. Tem mui
ta empresa já planejando o próximo século, se con — Exploração de risco? Assim como para o pe
seguirem chegar lá. Com toda a violência que cam tróleo?
peia por aí, até que não garanto.
— Sim. Nas regiões pobres. Nos confins do im
pério. E a tese do osso. Quem levar osso, vai ter
O otimista não se sente confortável com o desen direito a levar mais osso.
rolar da conversa. Ê salvo pelo toque de seu apare
lho celular, contrabandeado, mas devidamente ccrth — Ainda bem que TCs não é petróleo. Não aca
ficado. Ao atender, faz cara de espanto: ba nunca.
— Alô. Não acredito. Mudou novamente o dire A condução demora e agora é a vez do baixinho
tor? Já, tão cedo? Mas foi no sistema estatal ou tomar a iniciativa:
na empresa privada? Você sabe que agora nenhum
lugar é seguro para um dirigente. O executivo pas — Agora o sistema vai preferir comprar de quem
sa rapidamente para executado. fabrica, aqui.
— (O interlocutor fala algo no outro extremo) — Quem fabrica aqui é por que tem encomen
das ou tem encomendas por que fabrica aqui?
— Ninguém tem culpa da compulsão de jogar
?
em bolsa. Todo inundo anda à procura de capital, — E o problema da galinha e do ovo. Mas é tam
próprio e, se possível, dos outros. A intriga toda bém o das abelhas e do mel, este sempre considera
veio lá de fora? do pouco. Enxame já no mel é alérgico a outro que
fica, zumbindo, em volta.
— (O interlocutor fala novamente)
— E qual é a posição do mel?
— A situação do homem anda ruim? Isto tudo
é pura invencionice. As regras dizem que alguém — Adora ser alvo das atenções.
fica no jogo enquanto durar seu cacife. Todos nós
temos situação ruim ou boa, é relativo. E quem dá A condução de um dos executivos chega e ele
o cacife9 É a política. Como já disse certo presiden se despede do colega:
te, ‘ ‘política é a arte do possível” . Tchau, vou desligar.
— Meu transporte chegou e tenho que ir. Sou
Com o celular ainda na mão, o otimista retoma brasileiro e estou afastado há cinco anos do meu pa
a iniciativa da conversa. Vira-se para o colega que ís. O papo valeu.
só tem um equipamento de paging, bem baratmho.
daqueles que nem numérico é, e comenta: — Que feliz coincidência, também sou do Bra
sil! Ainda bem que coisas assim nunca acontecem
_ Que maravilha este celular, não poderia viver por lá.
sem ele. — Graças ao bom Deus. Bons negócios!.
— Dizem que é só para empresa de rico.
— Obrigado, bom trabalho!
Telebrasil, Set./Oul /93 7