Page 69 - Telebrasil - Março/Abril 1985
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devemos ter ilusões: haverá também
muito me influenciou) sobre a "Exis- aqueles que serão eliminados, que serão
tence Confiture” (existência geléia, flui incompetentes no desempenho estru
da). Aqui, estou sendo bastante existen tural permanente. Quanto ao tipo de
cialista. Reencontramos a idéia de que o pessoas que se adaptarão a esta nova so
mundo não tem sentido, cabe a mim en ciedade de informática, podemos dizer
contrar um sentido para ele. Sou eu que c ue um bom perfil será dado pelo Clube
lhe atribuo este sentido. Então, se não ce Informática. Acredito que exista no
tenho capacidade para isto, o mundo Brasil algo semelhante; é um clube for
continua sem sentido e eu muito menos.
mado de jovens apaixonados pela infor
mática, quase sempre com capacidade
E — Assistimos, hoje em dia, a uma es
pecialização cada vez maior do conheci intelectual brilhante e uma adaptação
mento. O que o sr. acha disso? lógica aos computadores, ao pensa
M — Minha opinião é de que nós somos mento artificial e à manipulação de te
multidisciplinares no interior de nosso clas, por exemplo. E uma virtude que
próprio cérebro, mas a multidiscipli- pode aparecer num determinado perío
naridade não se realiza apenas juntan do da adolescência e que desaparece ra
do-se uma dúzia de especialistas ao re pidamente ao longo da vida.
dor de uma mesa. Isto só faz aumentar a
confusão, já que cada um tem seu pró E — Estariam os jovens sub-utilizados?
prio vocabulário. Mas quando você pen “A robotização não traz M — Sim. Penso que os jovens são sub-
sa por si próprio, através de várias disci a desumanizaçào de todos, utilizados em sua capacidade intelec
plinas, você sabe que sentido atribuir às apenas de alguns11 tual e que há todo um processo a ser feito
palavras. Você sabe, sem precisar dessa na educação. Os jovens são capazes de
espécie de tradução de linguagens espe pensar em termos matemáticos muito
cializadas que se produz quando espe mais rapidam ente quando são real
cialistas se encontram. Resumindo, eu adaptado á expansão feminina o olho mente inteligentes e quando o sistema é
considero que a trajetória do homem que as mulheres podem ser grandes ma favorável. São capazes, por exemplo, de
culto, deve ser feita por ele mesmo, e não temáticas quando st* dão ao trabalho de fazer o vestibular aos 12 e aos 18 anos,
pelo contato, geral mente superficial, o serem! Mas voltando, veja um enge por que não?
com outras especialidades. nheiro tie Gabo Kennedy, por exemplo, Há todo um universo brilhante de jo
ele não se indaga sobre* o sent ido de sua vens que entram direta m ente num
E — Tomemos agora o tema "robot iza- vida, mas sua vida tem um sentido, ele mundo novo onde o computador, a infor
çào das grandes cidades". O que o se conquista as estrelas e isto é um ideal. mática e os conhecimentos técnicos são
nhor pensa sobre o futuro? Quem ira No mundo futuro ha então um sentido cada vez mais importantes. Eis aí um
gerenciar este tipo de sociedade? da vida. Mas e um mundo desumani- perfil e ele pode ser encontrado num nu
M — É uma boa pergunta. A robotiza- zado e esta desumanizaçào aparece so mero cada vez maior de pessoas, se elas
ção não traz a desumanizaçào de todos, bretudo nas cidades grandes. forem jovens.
apenas a de alguns indivíduos que não
se adaptarem a esta sociedade. Os robôs E () que caracteriza a cidade grande? E Qual a influencia da educação?
vêm, instalam-se entre nós e virão cada M — Já trabalhei muito sobre o proble M — Hoje temos uma imagem das pes
vez mais, isso é bastante óbvio para ma da cidade grande, da urbanização, soas que se adaptarão melhor nesta
mim. A menos que sobrevenham catás da psicologia urbana e do espaço, pois a nova sociedade, mas infelizmente ela
trofes atômicas, ou guerras nucleares, cidade grande cria o estrangeiro. Es não foi ainda incorporada pela educa
nós estamos destinados a uma sociedade trangeiro no sentido filosófico e somos ção, nem tampouco pelo processo de
cada vez mais autom atizada e não todos estrangeiros. Quando estou numa seleção que se cria na sociedade de com-1
adianta lutar contra esta tendência. O grande cidade, o que peço ao transeunte petição em que vivemos.
que vai acontecer, então? Primeiro, nós que passa ao meu lado, é que ele não' me
veja, não me olhe, não me toque e que
estamos numa estrutura de transição,
num conflito entre estruturas antigas e eu, também, não o veja, nao o toque.
novas. Haverá perdas, sem dúvida, mui Quero ser ignorado e ignorá-lo. Este é o
tos se acham desumanizados por esta ro- ideal da cidade grande: todos estranhos
botizaçáo, outros estão até bem adapta uns aos outros. Ficou claro este ponto?
dos. Você viu o filme "Jogos de Guerra”? Ela cria a sociedade dos estranhos; os
outros seres são obstáculos materiais a
E — Não, mas sei que o senhor se refere serem evitados.
a ele num de seus livros.
M — Exatamente. É um filme onde um E — O sr. crê que o ser humano deseja
jovem que pode ser classificado como in este anonimato?
telectual, faz realizações pessoais bas M — Precisamente, as grandes cidades
tante perigosas, pondo em risco o pró criam esta ideologia da desumanizaçào
prio planeta. Mas ele é um grande cria do ser.
dor, é um giande jogador de xadrez com E — I s t o é u m a r e f l e x ã o o u u m a
o mundo. O que este filme denuncia é afirmação?
que, como consequência, este jovem M — E uma reflexão.
brinca com o planeta sem o saber! E a
idéia que quero destacar aqui. Existem, E — Voltando ao ponto sobre quem vai
portanto, realizações pessoais que estão estar no poder nojuturo. Que tipo de ca
se concretizando e se instalando, são beça vai gerenciar isso tudo? "Existe a sociedade
projetos pessoais. M — Já respondi em parte quando disse "regalienne” e a
Vejamos, por exemplo, o caso de um que há indivíduos jovens que encontram sociedade "convivial”
jovem pesquisador, ou pesquisadora, já nessa nova sociedade seu projeto de
que este mundo é de certa forma mais vida, que estão se realizando. Mas não