Page 82 - Telebrasil - Março/Abril 2000
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* Marcelo Rocha
Tenho, muitas vezes, me questionado planetários, vale citar, a partir dos dados
sobre o sentido das telecomunicações, sua do relatório do PNUD, que:
natureza c finalidade para o desenvolvi • os ativos de apenas três dos maiores
mento humano no mundo presente; glo multimilionários do globo são superio
balizado, para o pensamento político libe res ao PNB conjunto de todos os países
ral; mundializado, para o pensamento po menos desenvolvidos c dos seus 600 Marcelo Rocha
lítico de matriz realista, ou para arena da milhões de habitantes; As rupturas tecnológicas - produtos do
internacionalização da produção, numa • as crescentes fusões e aquisições con inundo do conhecimento - também am
perspectiva marxista. centram mais poder c minam a concor pliam as possibilidades de desenvolvimen
A globalização atual - diversamente rência. Apenas 10 empresas, nos seg to humano. Entretanto, a concentração das
daquela surgida no século XVI - é essen- mentos de agrotóxicos c telecomunica agendas de pesquisa nas empresas joga,
cialmcnte caracterizada pelos mercados ções, concentram 85% do mercado frcqüentcmcntc, para segundo plano as ne
de câmbios e de capitais, sua velocidade mundial; c cessidades humanas. Enquanto os direitos
de deslocamento cm tempo integral c real; • um quinto da população mundial que de propriedade intelectual, mais restritos e
pelo desenvolvimento dos meios de trans vive nos países de renda mais elevada protegidos por patentes, ao concentrarem-
porte de informação; pelo surgimento de detém: 86% do PIB mundial, 82% das se nas empresas, oneram o custo de trans
novos atores no sistema internacional (or exportações mundiais, 68% do investi ferência de tecnologia, aumentando o hia
ganismos multilatcrais, multinacionais e mento estrangeiro direto e 74% das li to entre as nações em desenvolvimento e o
ONGs); c, finalmcntc, pelos acordos mul nhas telefônicas mundiais. conhecimento.
0 tilatcrais, com o inevitável fracionamento Enfim, é a sociedade 80/20. Recente artigo do secretário-geral da
0
0 das soberanias nacionais. Neste mundo globalizado, as pesso Unctad, embaixador Rubens Ricúpero, vei
ril/2 Essa globalização contemporânea c as estão convivendo com a ruptura. culado por importante diário de São Paulo,
b marcada pela competição, pelo império do Ruptura de seu padrão de segurança analisa o processo de desnacionalização da
a livre mercado, que, como se viu cm Scattle,
rço pessoal c de seu cotidiano. economia por que passaram muitos países
a não existe, e, sobretudo, pela luta cm bus Nas comunicações, temos assistido ao em desenvolvimento, sustentando que,
m ca da expansão de mercados, da redução mundo conectado pela Internet. Dos nesses países, substitui-se o desenvolvi
Telebrasil lucros, o que muitas vezes foge ao contro lhões cm 2001, no mundo. à adequação de processos e componentes
dos custos de produção e maximização dos
140 milhões de usuários cm meados de
mento de tecnologia local por uma política
1998, deveremos saltar para 700 mi
tecnológica meramente adaptada, voltada
le dos estados, fragilizando-os.
Os mercados competitivos, é sabido, no-
Através das redes de comunicações,
tabilizam-sc pela eficiência, nunca pela avançam saúde c educação. Por entre importantes das matrizes às condições lo
cais de mercado, levando à morte inúmeras
eqüidade, acentuando o caráter desigual as redes, ganham expressão política mi empresas locais com forte potencial para a
na distribuição dos frutos da globalização, lhares de ONGs e outros atores sociais inovação.
que parece ainda distante do ideal defen que têm ajudado a produzir importan O mundo não mais se divide entre paí
dido pelo último relatório do Programa das tes transformações. Os tradicionais obs ses ricos e pobres, mas entre aqueles que
Nações Unidas para o Desenvolvimento táculos tempo, distância e dimensão ten têm acesso ao conhecimento e o produzem
(PNUD), sintomaticamente intitulado dem a desaparecer para as pequenas c os que não o têm.
“Uma Face Humana para a Globaliza empresas e para os países mais pobres. Questões dessa natureza inserem-se,
ção”. Em resumo, conclui o citado relatório A tecnologia da informação é, essen- obrigatoriamente, em um reexame mais
que a globalização deve promover a ética, cialmente, um caminho para o cresci amplo da governança mundial, sem o qual
através do respeito aos direitos humanos; mento assentado sobre uma platafor o século XXI será palco ainda de conflitos
a eqüidade, com menores disparidades in- ma de conhecimento. Exemplos disso comerciais e civis, crime globalizado e
tranacionais c internacionais; a inclusão, são a produção de software da Índia, o vulnerabilidade institucional e financeira
com a redução da marginalização de paí processamento de dados do Caribe Ori dos estados.
ses e de pessoas; a segurança, com a me ental c os serviços de computação da O caminho que conduz ao desenvolvi
nor instabilidade das sociedades; a sus- Irlanda. mento não pode prescindir de telecomuni
tcntabilidade, pelo respeito ao meio am No entanto, a Internet ainda convive cações adequadas, universais e acessíveis,
biente; e, por fim, através do desenvolvi com a exclusão, pois renda e educação como fator de inserção e coesão social.
mento, menos pobreza e privação para os definem quem tem acesso e quem não Este, acredito, seja o sentido das teleco
povos. o tem. São dois mundos que convivem e municações.
Apenas para se ter idéia de alguns nú competem. O mundo ligado e o mundo
meros da concentração de renda e poder sem voz na sala de bate-papo global. * Marcelo Rocha é presidente da Abecortel.