Page 85 - Telebrasil - Julho/Agosto 1994
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Ú l t i m o   p á g i n a






                                                                                                                                                                                                                                              Um espaço livre em defesa de idéias



















                                                                                                                                                       T e l e c o m u n i c a ç õ e s :













                                                                                                                                                  R e a l i d a d e   e   M e n t i r a


















                                                                                                                                                                                                                       Roberto Campos (*)











                                                                                                                                  para conduzir os meninos incapazes de, por si                                                                                   O papel do Estado nada tem a ver, porém,


                                                                                                                                  sós, escolherem o que é melhor para eles. A                                                                            com  “monopólios estatais". Tem a  ver,  isso


                                                                                                                                  velha tradição mercantilista-colonial  dos                                                                             sim, com o uso ótimo dos meios de atingir os



                                                                                                                                 “donos do poder", para os quais somos súdi­                                                                              fins. E isso é uma questão de racionalidade.


                                                                                                                                  tos. não cidadãos.                                                                                                      Os monopólios são, na verdade, uma herança
                                                                                                                                           /
                      discussão  do  papel  do  Estado  está
                                                                                                                                                                                                                                                          do  mercantilismo  da era das  monarquias
                                                                                                                                          E evidente que o Estado - que é o apare­
        A             complicada  pela acumulação de  ele­                                                                        lho da coerção organizada da sociedade -                                                                                absolutas e dos regimes coloniais, reposta em
                      sendo  hoje, entre  nós,  trcmendamenle


                                                                                                                                  tem. no mundo atual, não apenas as funções
                                                                                                                                                                                                                                                          circulação pelos totalitarismos dos anos 20 ao

        mentos ideológicos defasados, alguns anteri­                                                                             clássicas da soberania externa, e da ordem e                                                                             fim da Segunda Guerra, e  mantida residual-


        ores aos anos  30,  c  pela  radicalização das                                                                            manutenção das  normas no  plano  interno,                                                                              mente  nos  países mais  atrasados,  onde  o


        posições internas, exacerbada por  13 anos de                                                                             mas também as de promover o desenvolvi­                                                                                 Poder constitui a “matéria prima" explorada



        crises e recessão, pela decepção popular com                                                                              mento em geral, e a estimular a infra-estrutu­                                                                          pelos grupos mais agressivos e predatórios.


        o fato de que. ao contrário do que o discurso                                                                             ra produtiva e social que sobre este se baseia.                                                                                 Há quatro formas básicas de organização


        público havia indu/ido a supor, a redemocra-                                                                              E isso porque só o Estado dispõe da capaci­                                                                             de atividades econômicas pelo Estado, em


        tização não rcali/ou  a prosperidade  mágica                                                                              dade  regulatória. de coordenação e de con­                                                                             especial dos serv iços públicos de infra-estru­


        esperada,  pelo choque do  impeachmeni de                                                                                 centração dc recursos para  funcionar como                                                                              tura: a propriedade pública, e operação direta



        Collor.  pelo desgaste da  imagem  dos políli                                                                             indutor de programas e projetos e como mo­                                                                              por um  órgão ou  empresa estatal;  a  pro­


        cos, e especialmente do Congresso,  acusado                                                                               derador dos  interesses conflitantes em cada                                                                            priedade  pública combinada com execução


        de corrupção, pela inceite/a a medida que se                                                                             campo de ação,                                                                                                           pelo setor privado, por concessão ou contra­


        aproximam as  maiores eleições já realizadas                                                                                      E não ha a menor duvida de que a infra-                                                                         to;  a propriedade e  a execução deixadas ao


        no País e,  por  fim,  pelo “choque de  identi­                                                                          estrutura é o primeiro  fator no processo de                                                                             setor privado, mas com alguma regulamen­



        dade" das esquerdas com a desintegração dos                                                                              desenvolvimento  O Banco Mundial acaba de                                                                                tação e  fiscalização do  Estado; e execução


        regimes  socialistas  leste-etiropeus e  fim  da                                                                          mostrar que existe uma relação linear quase                                                                             direta por comunidades e  usuários, o que se


       U R S S                                                                                                                   perfeita entre estoque  de  infra-estrutura e                                                                            aplica a alguns tipos de  serviços de âmbito



               Mas as confusões que se fazem, no Brasil,                                                                         produto, ambos  per capita,  e que o cresci­                                                                              local.


       em defesa dos  monopólios estatais,  entre os                                                                             mento  da  infra-estrutura  tem  sido  muito                                                                                      Monopólios de qualquer tipo são sempre


       quais  o  das  telecomunicações,  freqiiente-                                                                             maior nos países de renda média do que nos                                                                                a solução menos eficiente e mais opressiva.


       menle tem muito pouco de boa fé: são dclibc-                                                                              países mais  pobres.  Mas  isso  não constitui,                                                                           Mas,  em  certos casos  (que  podem  variar,



       radamenie provocadas pelos grupos da ''bur­                                                                               propriamente,  uma surpresa, embora não se                                                                                aliás,  com  as  mudanças da tecnologia), há


       guesia do Estado", que se apossaram do apa­                                                                               tivesse,  untes,  um  estudo  mais  amplo.  A                                                                             indivisibilidades de vários tipos na oferta ou


       relho do Estado como fonte de renda e de pri­                                                                             ação do Estado no desenvolvimento da infra-                                                                               na demanda  dos  bens ou  serviços, ou eco­


       vilégio. Por isso, os argumentos apresentados                                                                             estrutura e  na promoção dos  investimentos                                                                               nomias de escala decisivas, ou considerações



       a favor das empresas estatais, e  particular-                                                                             produtivos  foi  decisiva  no  Brasil  de                                                                                 de ordem pública (por exemplo, na produção


       mente da manutenção dos monopólios  entre                                                                                 Juscelino  Kubitschek, como havia sido.  dé­                                                                              de armas e explosivos), que podem eventual­


      cies o das telecomunicações  ,  têm  sido tão                                                                              cadas antes, na Alemanha e no Japão, países                                                                               mente justificar formas monopolísticas sob o



      disparatados:  qualquer pretexto serve, qual­                                                                             de  industrialização relativamente  tardia,  e                                                                            controle público.  Note-se bem,  não a exe­


      quer engodo  para  desorientar o  público,  e                                                                              viria a ser em outras economias bem sucedi­                                                                              cução  direta  pelo  Estado,  que  só  muito


      quanto mais “besteiro!" melhor.                                                                                           das, como a Coréia do Sul. E devo dizer, sem                                                                              excepcionalmente (v.g. na separação dos isó­



              Assim,  temos  \ isto  uma caríssima cam­                                                                         falsas  modéstias, que o  BNDE e, depois,  o                                                                               topos utilizáveis como explosivos nucleares)


      panha publicitária (no  fim  das contas  paga                                                                             Programa de Metas foram concebidos c orga-                                                                                será o meio mais indicado.


      pelo respeitável  público lungado pelo corpo­                                                                             nizados  por mim  o que cito aqui  apenas                                                                                          Nas  telecomunicações, o caso é abso-


      rativismo das estatais) argumentando que os                                                                               para mostrar que tenho autoridade para falar,                                                                             lutamente claro. No mundo inteiro, se viu uma



      monopólios são necessários para a defesa da                                                                               porque  não  só  não  sinto  nenhuma aversão                                                                              acelerada  privatização  dos  regimes  de


      soberania do País,  para distribuir equitativa-                                                                           irracional pelo Estado, corno fui o teórico do                                                                            monopólio ou participação direta do Estado,



      menre  os benefícios  à população pobre, para                                                                             “desenvolvimentismo" por ele liderado.                                                                                    forçada pela demanda de eficiência e de ho­


      levar as  telecomunicações aos  lugares  mais                                                                                     Mas  isso não tem nada a ver com a bur­                                                                           nestidade por parte da opinião pública. Mas do


     remotos do País  alegando que as empresas                                                                                  rice ou  a  inépcia no  uso do Estado, e ainda                                                                            Estado promover o desenvolvimento destas a


      privadas  só  se  interessariam  pelo  “filé                                                                              menos com a apropriação deste por grupos de                                                                               estabelecer sobre elas um  monopólio há um



      mignon". deixando  de  parte  os  serviços                                                                                aproveitadores, que escondem seus privilé­                                                                                abismo.  Praticamente, todos os países desen­


      menos lucrativos  O  Estado é,  assim,  apre­                                                                             gios corporativos sob a capa de um “interesse                                                                             volvidos. e numerosos países em desenvolv i­


     sentado como o pai  benévolo, omnisciente e                                                                                nacional"  ou  “social"  que,  ao  invés  de                                                                              mento, já se  livraram, ou estão acabando de



     onipotente,  cuja presença  c  requerida em                                                                               promoverem,  na realidade atrasam ou  preju­                                                                               livrar-se dessa herança, legada principalmente


      todos os cantos da economia e da sociedade                                                                               dicam seriamente.                                                                                                          dos problemas da guerra e dos totalitarismos.















                                                                                                                                                                    Telebrasil  mat /jun./94                                                                                                                                                                      7Î
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