Page 45 - Telebrasil - Maio/Junho 1976

mara Pedro Renault Castanheira, o ami­
go que, então, conquistáramos, definiti­
vamente, e que tanto choraríamos, trin­
ta e quatro anos depois, numa nevoenta
quinta-feira de agosto de 1968.
Cobráramos, categoricamente: “ Quando
teremos, em Carangola, o serviço tele­
fônico do “ polvo canadense?” Vencido
agradavelmente vencido, Castanheira cru­
zara as duas mãos atrás da cabeça, num
gesto que, muito mais tarde, nas habi­
tuais reuniões de diretores da Compa­
nhia Telefônica de Minas Gerais, — de­
pois Telemig — aprenderíamos represen­
tar a rendição nos debates ou aos ar­
gumentos; discara, a seguir, três núme­
ros telefônicos diferentes e falara a três
diversas pessoas. Com o último interpe­
lado, a conversa fora em inglês. Final­
mente, respondera-nos, incisivo;
abril do próximo ano. Good bye!" Dona
Beatriz Rodrigues sorrira um sorriso fe­
liz pela colaboração que nos dera. tal­
vez uma cumplicidade, discreta e eficaz,
porque, por duas vezes, facilitara a en­
trevista.
Cumprida a promessa, precisamente em
abril de 1935, sepultávamos, consterna­
dos. o "Noticiário", metêramos nossas
pobres e poucas coisas numa canastra,
limpáramos a poeira das sandálias e
transferíramos o domicílio para Bolo
Horizonte, cidade sedutora com a qual
traváramos conhecimento em uma noite
amável e festiva. Iríamos iniciar uma no­
va jornada na vida, difícil e áspera; dei­
xáramos. para trás além das doridas
lágrimas maternas — saudosa e queri­
da Mãe — o ambiente amoravei e afe­
tivo da cidade amiga onde todas as fi­
sionomias nos sorriam e sedimentavam
um prestígio que já incomodava. Des­
pedíramo-nos do vale do Carangola;
conviveríamos, no vale do Arrudas, com
duzentos mil desconhecidos, a popula­
ção da época. Passáramo-nos, esponta­
neamente, para a obscuridade. Teriamos
que construir novo ambiente e conquis­
tar novas amizades. Fora dura a sepa­
ração da terra natal, mas a Capital, um
dia, inscreveria o nome do forasteiro no
registro dos seus cidadãos honorários.
Vinte e um anos depois, — exatamente
ao cabo de um lapso de maioridade —
a 11 de julho de 1955, Possidônio, ain­
da perguntador, nos atormentava, em
Carangola:
— “Por que, “ mio avvocato” , o "tele­
fono” o chama, de Belo Horizonte, com
tanto empenho e insistência, e você es­
capa, à moda de uma raposa, de uma
casa para outra? De que foge? da Po­
licia9 de credores? Este jamais foi o
seu estilo. Não quer que alguém lhe
arruine as férias na terra natal? É isto?
Prefere estar por aí a plantar árvores
em saudosos sítios? R e c e i a
cias? Ou tem medo da voz do meu pa­
trício Farani, falando, t a l v e z ,
Vamos, homem, “ coraggio” ! Atenda ou
desinvente” toda essa trama telefônica
que você arranjou há tantos anos!”
Diligente e aflita, a telefonista, noviça
no também novo oficio, nos pilhara, en-
fim, na rua da Cerveja, quando tentá­
vamos fazer uns enxertos nas roseiras
de D. Pina, na confortável residência do
José Branco Júnior. Era Castanheira, não
era a voz de Farani falando do além.
Era Pedro Renault Castanheira, — fa­
lando de Belo Horizonte — o antigo
Chefe da Divisão Tri-Estadual da Com­
panhia Telefônica Brasileira, já diretor
desta e vice-Presidente da Companhia
Telefônica de Minas Gerais, por ele fun­
dada, três anos antes, e que, em 1972.
— já empresa-pólo do Sistema Nacional
— passaria a denominar-se “ Telecomu­
nicações de Minas
TELEMIG"; ele cultivava um jeito espe­
cial para transmitir noticias honrosas e
agradáveis:
“ Em
— “Agora vocô vai desfrutar as “ doli-
cias" da direção de uma empresa tele­
fônica. Acabamos do Incluí-lo na admi­
nistração da Cia Telefônica do Minas
Gerais, este dissociado tentáculo do
“ polvo cnnadonso". metamorfoseado nos
ta nova empresa que vocô ajudou a
constituir mas sofro a mcomp.oonsáo
do poder concodento municipal, que,
onipotente, cego o surdo, Ino noga ta­
rifa e as mínimas conoiçôes para a vi­
da da concessão. Nas sociedades por
açóes. como nos clubes do “ íoot-baM",
a vontade di* assembleia ó incontestável,
é soberana: nào pode recusar o encar­
go e a ata já está lavrada Venha lutar
conosco, ouvir as reclamações dos já
assmantas e recolher as súp.icas dos
que querem sê-lo. Venha fazer-nos com­
panhia na prisão, caso necessário. Trou­
xemos, do Rio, um eficiente companhei­
ro para voc^s — o Lima Neto Com o
Mário Pires e o Paulo Macedo Gontijo,
vocês poderão realizar um bom traba­
lho em favor de Belo Horizonte e de
Minas. O serviço telefónico exige a co­
laboração de idealistas. Venha experi­
mentar dissabores e purgar o arrepen­
dimento do que vocà fez ao velho Fa­
rani. Há certos pecados. Portilho. que
devem ser pagos aqui mesmo na Terra
Farani deve ter-lhe lançado um aná­
tema, que o acompanhará anos afora,
porque vocô nào mais se dasligará do
setor telefônico. Não se assuste, incom­
preensões, negações, suspeitas, acusa­
ções, denúncias, injustiças, tudo isto
passará um dia; pelo nosso trabalho e
pelo sadio esforço dos porvmdouros, a
CTMG será uma grande empresa, uma
prestigiosa Companhia.”
No dia anterior — alegre domingo, mui­
to claro e de céu azul — entre “tro­
tes” , foguetório, flores, dobrados musi­
cais da “furiosa” local e discursos, ha­
víamos participado da inauguração do
serviço telefônico urbano, automático, da
Cia. Carangolense de Telefones. Um alto-
m á s notí­ falante reproduzira a saudação da CTMG.
chegada de Belo Horizonte pela voz de
d o a l é m ? Mário Pires, o amigo que, desolados, ve­
ríamos partir em outubro de 1974. Re­
cordáramos, quando a palavra nos fora
dada inopinadamente, numa oração gra-
tulatória mas cheia de remorsos, batendo
a “ mea culpa”, a figura do velho Farani,
o pioneiro. “ Falecera9 Aonde andaria
ele?” — indagáramos com angústia; Pos­
sidônio, este infatigável “ alter ego” , pôs-
se em campo, perguntando por toda par
te, como de seu terrível hábito, e. na
tarde da seguinte terça-feira, durante o
jantar do Rotary Club de Carangola, lu­
tando com um “ pollo alia cacciatcra"
(galinha à caçarola), olhar malicioso,
sintetizara o resultado de sua sofrida
reportagem:
— “ O velho é duro, é de boa fibra, é
um napolitano que nunca temeu o pró­
prio Vesúvio. Batido aqui, faz, agora,
com quase 90 anos, prospecção de cas-
Gerais S.A. — siterita em Santa Catarina!”
Sobreviveriam, do precário sistema tele­
fônico das empresas individuais do tipo
das do velho Farani, transformando-se
ou tontando transformar-se em organi­
zações duradouras e eficientes, bem pou-
cus daqueles estranhos tempos das mal­
fadadas concossões municipais.
Heróicos apóstolos da difusão, no üra-
sil. doado 1879, da curiosidade inventada
por Alexander Graham Boll, três anos
antes os Farani de todos os quadrantes
souberam exercer urna missão pioneira:
além dolos, simultaneamente ou depois
deles, os obstinados Castanheiras, como
o idealista Pedro Renault Castanheira,
para quem a crise, que assoberbara o
setor após a 2.* guerra mundial, somen­
te seria resolvida através da concentra­
ção das outorgas em um único Poder
Concedente. além da implantação da
industria nacional de equipamentos tele­
fônicos e da adoção de uma política
realista de revisão de tarifas a todo
tempo Não faleceria sem sentir a ale­
gria de ver premiada a sua incompreen­
dida pregação, particularmente a tese
do autofinanciamento (um “ mal necessá­
rio“, dizia ele, que a inventara) — con­
sagrada, afinal, inteligentemente, pelo
Governo, a partir de 1965 — por ele
mesmo experimentada, antes, com êxito,
em Barbacena, sua terra natal, Vargi-
nha, Itajubá, São Gonçalo do Sapucaí,
Leopoldina, Cataguases, Araxá, Conse­
lheiro Lafayette. Não sendo advogado,
sequer bacharel, Castanheira vislumbra­
ra a jundicidade de sua fórmula através
do lançamento de debêntures conversí­
veis em ações, que. mais tarde, a Lei
n.° 4.728 (mercado de capitais) — aco­
lhera; a captação de recursos, hoje ob­
jeto de recibos ou “ carnss” , se fazia
sem ofensa a especifico dispositivo da
lei das sociedades por ações, e sempre
que o volume deles oferecia uma soma
razoável, as debêntures eram substituí­
das por ações de capital da empresa,
transformando-se o pretendente a tele­
fone em acionista, e. assim, em um in­
tegrante e amigo da Companhia. Autên­
tico ovo de Colombo. .
Estes destaques n ã o poderiam figurar
nos “ Subsídios para a história da tele­
fonia no Brasil” , opulento e cuidadoso
trabalho de pesquisa de Maurilio Brito,
que a NEC do Brasil Eletrónica e Co­
municações Ltda., fez editar, em 1976,
em comemoração ao 1.° Centenário do
invento do telefone; seu autor não os
conhecia, como não terá tido notícia,
ainda, de outros pormenores, que tanto