Page 79 - Telebrasil - Março/Abril 1986

Um decreto que mudou o País

Texto: José Raul AUegretti'’'

Dois Decretos mudaram radicalmente a diretamente sobre os preços, congelando-os e Na Argentina de hoje, patrões e emprega­

vida do Brasil. Na sua versào final, o Decreto também aos salários. dos acham o Plano Austral recessivo, porque

2284, de 04.03.86, constitui-se num marco o PIB caiu 47( c o salário real 33%. Não se in­

histórico da economia do País. Não total­ O Plano Cruzado veste porque os juros estão a 70%. O câmbio 1

mente igual ao plano argentino, o plano bra­ Austral US$ 1,20 está gerando dificulda­
*
sileiro precisa ser visto na sua totalidade. A E importante guardar em mente que o des para exportação (A dívida Argentina é de

seguir, um resumo de suas principais idéias. Plano Cruzado, regulado pelo Decreto-Lei n." US$ 50 bilhões). Operários estão fazendo

O Presidente da República, em cadeia na­ 2284, tem como características principais: greves e lojas estão remarcando preços.

cional de TV , reunido o Ministério, anun­ a cria çã o do cruzado (C z$ 1,00 - Cr$ A Argentina congelou salários e seus

ciou, em 28/02/86, de forma determinada, a 1.000,00), e tabela de conversão cruzeiro/cru- ajustes, enquanto que o Brasil deixou aber­

mais corajosa revolução na política econô­ zado, com desvalorização do cruzeiro de tura para negociar ganhos de produtividade,

mica brasileira: o plano inflação zero. A in­ 14,4% ao mês; a extinção da correção mone­ que poderão aumentar o salário real.

flação, crônica de décadas, atingira seu mais tária — congelado por um ano o valor do novo

alto patamar, gerando um desânimo com a título público OTN em Cz$ 106,40; o congela­ Conscqüências

Nova República e fortalecendo os grupos que mento dos preços e tarifas, por tempo inde­

O Congresso e os partidos, sensíveis à opi­
pregavam eleições diretas para ainda este terminado; o congelamento do câmbio: 1 US$

ano. » Cz$ 13,80. nião publica, prestigiam o Plano e o Execu­

A crise é a mãe da oportunidade e a cora­ Além disso, prevê ainda o Plano: o au­ tivo. Empresários, não políticos militantes,

gem é fruto da falta de opções. Sempre jul­ mento do salário mínimo para Cz$ 804,00. passam a surgir como candidatos a governos

gado politicamente inviável, o choque he­ Sincronização dos aumentos de salários em estaduais e no plano internacional o Brasil se

terodoxo é aplicado em nossa economia. Si­ março/86, pela média real dos três últimos liberta do FMI.

gilosa e meticulosamente preparada e dra­ meses. Abono de 8%, seguido de congela­ Quanto as repercussões econômicas, com

maticamente anunciada, subitamente, como mento; o reajuste automático de salários a implantação do Plano os orçamentos se

por m ilagre, o povo brasileiro aprovou e sempre que a inflação acumulada ultrapas­ simplificam e ficam transparentes. Fortale­

aderiu à mobilização presidencial, passando sar 20f/<; a criução do seguro-desemprego; o ce-se o Mercado de Capitais. As bolsas sobem

a cruzado nesta guerra santa contra a infla­ reajuste da caderneta de poupança. FGTS e e os empresários retomam seus planos de in­

ção. O mais eloqúente indício de vitória con- PIS/PASEP pelo novo índice IPC. Volta a tri­ vestimento.

i tra o "monstro”, que parecia invencível, é o mestral idade para a caderneta. A dívida externa se transfere da Prim e

índice de 1,48% da deflação de março. Quanto nos salários deve-se observar que Rate para a Libore reduz os juros na renego­

estes serão negociados no reajuste anual: ciação (de 1,759} para 1,125% e 1,25+). En­

O rtodoxo x H eterodoxo 60S obrigatório da inflação passada e 40'.; fraquece-se o setor financeiro e fortalece-se o

negociados livremente O CIP não vai permi­ industrial.

O Choque Ortodoxo é entendido como um tir transferência automática de salários aos Adicional mente, no plano social é criado o

corte rápido no déficit público e na expansão preços. salário-desemprego e é adotada a escala mó­

monetária, seguido da eliminação dos meca­ vel de 20%. Mas não é só: ocorre também o

nismos formais de indexação e controle de Plano Austral congelamento dos preços de alimentos, alu­

preços. guéis, prestações do BNH e tarifas públicas;

As idéias do FMI têm muito a ver com a A nova política salarial é bastante seme­ a preservação do reajuste das cadernetas,

Escola de Chicago, para quem a inflação lhante à do Governo Castello Branco e as PIS/PASEP e FGTS, e finalmente o nível de

existe porque todos acreditam que os preços adotadas pela Espanha, França e Itália em emprego tende a crescer.

vão subir, e por isso eles sobem, ou seja, seus programas de combate à inflação. Desafios

existe uma expectativa. Para matar essa ex­ O congelamento da taxa de câmbio e a ta­

pectativa bastaria zerar o déficit público e bela de conversão de cruzeiros por cruzados Existem vários desafios e preocupações

m cessar a emissão de moeda, acarretando, no já foram utilizados no Plano Austral argen­ com a implantação do Plano, entre eles o De-

futuro, a inflação igual a zero. A afirmação é tino. Foi bastante confortável para o Brasil sabastecimento — as mercadorias podem de­

verdadeira, porém o choque é recessivo, por­ poder conhecer a experiência de 10 meses da saparecer das prateleiras. Será preciso au­

que sacrifica o produto e o emprego. aplicação do Plano Austral, numa conjun­ mentar as taxas de juros para evitar au­

Já os criadores e defensores do Choque tura muito mais desfavorável que a nossa, mento de estoques. De outro lado, juros altos

Heterodoxo pensam diferente sobre a infla­ porque a Argentina convivia com elevadíssi­ poderão levar à recessão.

ção. Segundo eles, "é a causa dela própria” , mas taxas de inflação, desequilíbrio nas con­ Também surge a preocupação com os Des­

introduzindo o conceito de inflação inercial. tas públicas e na balança comercial. dobramentos do Congelamento— o sigilo, in-

As pessoas têm, na memória, os índices de O Brasil cuidou de, previamente, proce­ dispensável para o êxito, traz o inconve­

inflação dos períodos anteriores, e porque o der as reformas fiscais e monetárias. Redu­ niente de não ter permitido consulta aos

custo de vida aumentou, vão ganhar mais. E ziu prazos de recolhimentos de impostos, re­ vários segmentos da sociedade sobre as difi­

é claro que o aumento de salários, de novo, tardou e dividiu suas devoluções; centralizou culdades de preços relativos e suas soluções.

fará aumentar os preços dos produtos, dos o controle de caixa da União na Secretaria do E preciso ser ágil para dirim ir questões e

quais os salários são insumos. Os contratos, Tesouro; reduziu os gastos públicos e seu dé­ criar gargalos entre os vários setores da eco­

em geral, têm cláusula de indexação para ficit operacional; reduziu os juros dos títulos nomia.

restabelecer seu valor real em determinado públicos. Neste sentido é necessário preparar o con­

intervalo de tempo E quanto mais aumenta Além disto, transferiu a conta-movimen­ sumidor para o futuro descongelamento,

a taxa de inflação mais se reduz esse inter­ to para o Banco Central, para melhor contro­ para que compre sempre de quem vende mais

valo. lar a emissão de moeda; criou o mercado in­ barato. Outro lado importante da questão,

Ademais, o reajuste do valor nominal dos terbancário para proteger o sistema finan­ que não deve ser esquecida, é a Busca de Pro­

contratos em 100% da inflação no período ceiro. dutividade onde os vários setores, sobretudo

prévio, não garante um valor real constante, O congelamento do câmbio foi feito em público, estão necessitando de mecanismos

o qual depende da inflação vigente. taxa favorável à exportação. para estimular, justamente, a produtivi­

Por sua vez, o choque heterodoxo atua (*) Importante observar que a Argentina não dade. Como dificuldade última, ocorre a ne­

tinha um índice de correção monetária. No cessidade do Acordo de Preços Indústria/Co-

Brasil, com elevado endividamento interno, mércio, quando o Governo deverá arbitrar

a extinção da correção monetária e a redução para evitar crises de abastecimento e de ní­
(*) José R au l A U e g re tti, m em b ro de C onselho de

Redação da R e v is ta T e le b ra s il, é e n g e n h e iro de dos juros dos títulos públicos serão muito fa­ vel de atividade, gerando também desem­

telecomunicações e econom ista. voráveis ao sucesso do Plano. prego. UT