Page 53 - Telebrasil - Julho/Agosto 1979
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Ciência nacional Aldo Vieira da Rosa
Professor da Universidade de Stanford e da Unicamp
Na época em que a ciência era puramente especu ta. Isso não deve ser interpretado como uma re sileira, cujo desenvolvimento ainda não foi
lativa, o seu custo era, essencialmente, o do tem comendação de que se apóie somente ciência amortizado. Cabe ao Governo, cm muitas ins
po do cientista — ou fisósofo como era entào “ aplicada” . A ciência básica tem também uma tâncias, pagar pelo desenvolvimento. O ressarci
chamado. Euclides não precisou de equipamento rentabilidade muito real. mento viria mais tarde, paulatinamente, em par
para desenvolver sua geometria e Demócrito pos te como royalties pagos ao órgão patrocinador, e
tulou existência de “ átomos” (que hoje cha A rentabilidade da ciência é, principalmente, o mais amplamente sob a forma de um aumento no
maríamos de moléculas), numa base puramente resultado de sua influência no ensino. O bom en nosso produto bruto. Bancos e financiadoras es
conjetural. Tivesse ele tido a necessária moti sino superior, aquele que prepara os profissio tatais já constituem um dos mecanismos para o
vação, poderia ele ter determinado de maneira nais sem os quais não há tecnologia, só pode ser pagamento de desenvolvimento tecnológicos,
simples a ordem de grandeza das moléculas. Bas feito cm escolas onde a pesquisa é vigorosa. Esta mas os procedimentos presentemente em uso são
taria colocar um pingo de óleo de volume conhe atrai os bons professores e motiva c seleciona os por demais complicados para serem eficazes.
cido numa superfície de água, e medir a área da bons alunos.
mancha resultante. Desses dados, calcularia fa
O desenvolvimento dc uma nova usina de fertili
cilmente a espessura da mancha e, por inferên A universidade que pesquisa c mais que uma es zantes pode scr facilmente encomendado ao par
cia, o diâmetro das moléculas. Contudo, muitos cola: è o repositório dos conhecimentos científi que industrial brasileiro pela Petrofértil, pois es
séculos ainda teriam de passar, antes da experi cos do pais. São os cientistas que alertam os tec ta já possui o corpo técnico capaz dc especificar
mentação chegar à ciência. nólogos sobre fatos novos, úteis á indústria. Eles o que necessita, acompanhar o desenvolvimento,
interpretam os conhecimentos básicos para uque*
A ciência experimental tem muitas raizes mas, les que querem aplicá-las. O que u universidade controlar a qualidade, julgar os custos. Em con
sem dúvida, a principal deve ler sido a arte de ex não c, c um centro para a criação de tecnologia. traste, quando o desenvolvimento c pago por um
trair remédios de substâncias vegetais. A palavra Esta c inseparável da indústria. £ essencial banco, este tem que constituir um plantei “ ad
“química” vem do grego chymos (suco) depois distinguir-sc claramcntc ciência — o conheci hoc” de especialistas. Isso onera o processo e le
de ter adotado, e em seguida abandonado, o pre mento da naturc/a do mundo tísico — da tecno va o banco a promover estudos “in house” . Ade
fixo árabe, na palavra “ alquimia” . A experi mais, a menor experiência prática-dos especialis
logia — o conhecimento dos processos de pro
mentação e a observação quantitativas exigem tas do banco leva este a se proteger com uma
dução de bens c de prestação dc serviços.
instalações, equipamento c consumo de matéria, serie dc exigências burocráticas que dificultam os
o que tem contribuído para o seu progressivo en Ciência se divulga c não se plagia. Tecnologia se trabalhos. Portanto, faz mais sentido que o gros
carecimento. esconde c se copia. Ciência tem custo c tem va so das encomendas para desenvolvimento tec
nológico seja feito por quem vai usar o produto
lor, tecnologia tem preço, ela c vendável c
0 cientista especulativo podia viver de' “ bi desenvolvido, isto é, pelas empresas estatais e pe
cos”, e o “bico” mais conhecido foi sempre roubável. los diferentes ministérios nas suas áreas dez
o de professor, uma tradição à qual não esca atuação.
A separação — ciência na universidade c tecnolo
param nem Aristóteles na Macedônia. nem Hei-
senberg em Gottingen. Outros viviam de empre gia na indústria — c dc ênfase, não dc proibição. Sem a menor dúvida, o problema dos prazos de]
Seria absurdo proibir pesquisas científicas numa
gos de oportunidade. Johannes Kepler, conheci entrega c o mais sério. Se, por um lado, há às ve
do como “astrônomo” de Rodolfo II de Habs- indústria para isso motivada como seria igual- zes impaciência injustificada, por outro lado, há
burg era, na verdade, o astrólogo da Corte. mente absurdo proibir desenvolvimento tec situações em que os prazos seriam de tal maneira
nológico numa universidade que, para isso, en
Custos levam, frequentemente, o cientista à bus contrasse mercado. Ocorre que, usualmente, não dilatados que invadiriam os esforços de desen
volvimento. Tomemos um exemplo, da indústria
ca de um patrocinador. Tycho Brahe, que fez o é rentável fazer ciência em indústria e muito me aeronáutica. Poderia a Embraer desenvolver uml
primeiro catálogo de estrelas (com 777 registros), nos tecnologia na universidade.
avião tipo Boeing-747 — o Jumbo? Certamcnt
conseguiu convencer Frederico II da Dinamarca que sim. Valeria a pena encomendar tal desen
a construir um observatório astronômico na ilha É difícil imaginar um só produto que não possa volvimento? Certamente que não. Levaria uni
de Hveen. Hoje, cientistas, tanto especulativos ser manufaturado no Brasil sem importação de
bons 10 anos, após os quais o avião estaria total
como experimentais, são bem pagos, labo tecnologia estrangeira. É bem verdade que, ini mente obsoleto. Valeria a pena comprar, agora
ratórios são caros e equipamentos podem custar cialmente, o produto poderá custar mais caro
dezenas de milhões de dólares. E o patrocinador que o importado, mas custará cruzeiros, não a licença para construir tal avião? Certament
é, comumente, o Estado. Cabe, portanto, per dólares. É também verdade que o prazo de entre que não. Não aprenderíamos dessa maneira
projetar esse tipo de avião, compraríamos ape
guntar “para que ciência?” ga poderá ser bastante mais longo, isto nos casos
nas uma receita de como construi-lo ç ficartamo!
em que ainda se tem que fazer o desenvolvimen
Resultados científicos são, geralmente, proprie to. Em compensação, o produto brasileiro na situação da nossa indústria automobilística
dade do mundo todo. Um cientista que descobre adaptar-se-á melhor às nossas condições e a sua pagando eternamente licença e assistência técni
um novo princípio não o vende, divulga-o sim manutenção será mais barata, dada a presença ca.
plesmente. Assim, .a ciência mundial está, até no país dos que o criaram e a facilidade de obter
certo ponto, à disposição do Brasil. Temos, con peças de reposição. No exemplo em foco, o de que se precisa é ui
sequentemente, a responsabilidade de contribuir programa bem pensado de como ir expandindo
para a expansão dos conhecimentos humanos Labutam contra a compra de produtos com tec gradualmente, a nossa capacidade de projet;
mas, enquanto permanecermos confortavelmen nologia brasileira fatores subjetivos e objetivos. aviões de modo que, em 1990, digamos, possa
te “quase-desenvolvidos” , a nossa responsabili Subjetivamente, a moda ainda é a de importar, a mos projetar tudo o que nos convier. Isso teri;
dade é limitada e não somos obrigados a grandes de confiar mais na marca Siemens que na Gra de ser feito por encomendas de desenvolvimentcj
dispêndios nesta área. diente. Esse fator, mais poderoso do que parece, de aviões progressivamente maiores e mais avan-!
li
é superável. É necessário que haja um exemplo çados.
Ciência, como as artes, enriquece culturalmente
firme de nossas empresas estatais — o resultado
o país. Mas, ao contrário das artes, ela é aprecia
da por apenas um pequeno segmento da popu de uma política expressa do Governo. A popula Nem sempre o salto tecnológico é difícil. Em ge
rização da moda de preferir produtos criados no ral, quanto mais moderno, mais fácil. É muit<
lação. Boa ciência, como bom esporte, aumenta
o prestigio nacional. Por outro lado, má ciência Brasil seria facilitada, se a lei que exige o rótulo mais simples fazer transistores do que válvulaj
Indústria Brasileira exigisse também o de Tecno termoiônicas. Não devemos ter medo de desen
solapa o nosso prestígio. Como disse Pasteur, !
“ciência não tem pátria, mas cientista tem” . To logia Brasileira ou Tecnologia Importada, con volver produtos sofisticados. Temos, no entantol
forme o caso. Ficaria de imediato ridículo com de nos conformar com o investimento de lempii
das as razões acima, mesmo tomadas em conjun
to, não justificam gastos públicos vultosos. prar iogurte marcado Tecnologia Importada. que isso requer. A maior alavanca para a criaçà<
de uma tecnologia brasileira é o poder de cornpn
0 que justifica grandes investimentos em ciência Objetivamente, um dos fatores adversos é o cus do Governo, e o maior inimigo dessa criação é i.
é a expectativa de rentabilidade, embora indire to mais elevado do produto com tecnologia bra pressa.
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